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A presença constante por vezes funciona como uma anestesia. Não sentimos que estamos apegados àquilo que está logo ali. Temos a falsa impressão de estabilidade, de que tudo se manterá como sempre foi. E então a ilusão desmorona: a perda nos tira da letargia. É assim com gente. E também com a vizinhança em que vivemos. De repente, ela não é mais a mesma. E nem sempre a mudança é para melhor. A diferença é que não podemos conservar pessoas. Mas temos uma boa chance de preservar a essência das cidades, aquilo que elas têm de melhor.

Outro dia um casarão antigo perto de casa amanheceu demolido. Já estava maltratado pelo tempo. Mas mantinha a imponência e um quê da beleza que já teve. Lembrava todos os dias de uma Curitiba que aos poucos vai se perdendo. Havia sido posto à venda. Quem o comprou provavelmente o viu como um estorvo para futuros negócios. Um velho inútil. Restou um deserto de escombros naquele terreno. Temo que um caixote sem graça seja erguido no mesmo lugar.

Muitos dirão que sou nostálgico. Que o progresso é assim mesmo. Mas a cidade é uma grande casa. Por acaso não espalhamos pelas salas dos nossos lares porta-retratos para lembrar de quem estimamos? Também precisamos de lugares para gostar em nossos bairros. E para recordar do que Curitiba já foi.

Obviamente, qualquer proprietário tem o direito de fazer o que quiser com seu imóvel. O problema é que parece não haver incentivos suficientes para manter paisagens urbanas e edifícios históricos. Tudo fica na mão do mercado.

O IPTU progressivo (quanto maior a propriedade, mais cresce o valor do imposto) dificulta que proprietários de casarões antigos ou de pequenas chácaras urbanas as mantenham. A lei pretende coibir a especulação imobiliária, dificultando que investidores tenham grandes imóveis desocupados ou terrenos apenas para esperar o melhor momento de vendê-los. Mas esse tipo de tributo afeta famílias que moram nesses imóveis e que não têm a menor intenção de ganhar dinheiro com eles.

Parece não haver incentivos suficientes para manter paisagens urbanas e edifícios históricos. Tudo fica na mão do mercado

Há dois efeitos do IPTU progressivo e da falta de incentivos públicos. A demolição dos casarões é um deles. Outro é a perda do charme rural das antigas colônias de imigrantes – Umbará e Butiatuvinha, por exemplo. Sai o clima de campo e entram os conjuntos habitacionais e condomínios fechados.

Nos arredores do Centro, a ameaça é em relação às pequenas casas antigas. Daquelas com a parede encostada na calçada. São características da cidade. Mas nada práticas para a vida moderna. Muitas nem sequer têm espaço para estacionamento. Assim, perderam valor, embora estejam bem localizadas. E viraram presas fáceis para quem tem dinheiro. Comprando três ou quatro ao lado uma da outra, dá para demoli-las e construir um prédio.

É claro que a cidade tem de crescer. Mas há outros espaços para isso sem que seja necessário colocar a história abaixo. Esse é um assunto que Curitiba deveria discutir na revisão do Plano Diretor, ainda em andamento. Caso contrário, quando nos apercebermos, nossa grande casa poderá não ser mais o que chamamos de lar.

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