A campanha nacional de vacinação contra a gripe suína parece confrontar o governo brasileiro com o dilema de Salomão o rei bíblico que teve de decidir para qual de duas mulheres entregaria a criança de que ambas alegavam ser mãe. No caso da nova gripe, os administradores públicos, diante dos recursos escassos para adquirir doses de vacina para todos, elegeram grupos de risco que passaram a ter direito de serem imunizados. A vacinação dos mais vulneráveis foi priorizada.
Trata-se, porém, de um falso dilema. A saúde é um direito assegurado a todos os brasileiros, no artigo 6.º da Constituição. E, pelo artigo 194, ela é classificada como direito universal. Ou seja, o Estado teria de necessariamente garanti-a a qualquer cidadão.
Um direito universal não pode ser fruto de uma política de exclusão de grupos ainda que haja uma lógica racional nessa forma de discriminação epidemiológica. A única alternativa legal seria garantir a vacinação aos 190 milhões de brasileiros mesmo àqueles que venham a rejeitá-la. Também seria a única opção moralmente aceitável. Se a vida é o valor mais elevado que uma sociedade saudável pode cultivar, a perda de uma única delas pela omissão do Estado não é admissível.
Obviamente, aqui os burocratas de plantão tratariam de resgatar o dilema de Salomão em defesa de sua estratégia epidemiológica. Faltam recursos para assegurar a saúde a todos, diriam. Seria preciso fazer escolhas, acrescentariam. Mas tudo isso não passaria de desculpa.
Um argumento seria a ausência de vacinas no mercado para atender a todos. Mentira. Sobraram muitíssimas doses nos países do Hemisfério Norte, onde expressivas parcelas da população, desconfiadas da confiabilidade da vacina, não procuraram ser imunizadas. Essas vacinas não usadas em outras nações poderiam ser adquiridas pelo Estado brasileiro.
Mas, argumentariam os burocratas, falta dinheiro no orçamento federal. Esse discurso seria puro cinismo. Afinal, há verba pública para projetos e ações que não são direitos básicos dos cidadãos, como a Copa do Mundo, as Olimpíadas e propaganda governamental. Só nos primeiros quatro meses deste ano, por exemplo, o governo federal gastou R$ 240 milhões com propaganda.
Fica claro que nosso dilema não é definir quem deve receber ou não a vacina, quem deve ou não correr o risco de ficar doente. Nosso dilema é optar entre investir em saúde ou em outras áreas.
Salomão teve sabedoria para fazer a escolha correta e justa. Usou o estratagema de determinar a divisão do bebê em dois como artifício para descobrir a verdade e fazer justiça. Usou a morte para valorizar a vida. Nós, brasileiros, ainda carecemos da sabedoria salomônica. Usamos argumentos vários para justificar mortes que poderiam ser evitadas.
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