A luz do eclipse

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Em 28 de maio de 585 a.C., um eclipse do sol escureceu o dia na Ásia Menor, atual Turquia. Tomados de surpresa, os exércitos dos medos e dos lídios, que guerreavam às margens do Rio Hális, depuseram as armas. Viram no raro fenômeno celeste um sinal. E firmaram a paz. Mas aquela não foi a única luz que ironicamente se acendeu quando o dia se fez noite. A ocorrência do eclipse havia sido prevista pelo grego Tales de Mileto. Ele havia recorrido apenas à razão, a cálculos matemáticos, para predizer o que iria ocorrer. Pouco mais de duzentos anos depois, Aristóteles deixou registrado que aquela previsão racional marcava o nascimento da filosofia – uma velha senhora, portanto, de exatos 2.600 anos.

É a filosofia que deu a direção das grandes transformações

Tales demonstrara o poder do intelecto. Criava assim uma prática e uma escola. E, desse modo, começava a longa jornada da humanidade para se libertar dos mitos e da superstição. A razão poderia questionar a autoridade da tradição transmitida cegamente, sem qualquer espírito crítico.

Nos séculos que se seguiram, a livre especulação filosófica acerca do homem e da natureza buscou estabelecer uma base racional para a religião. E havia ainda de se tornar a semente que germinaria muito mais tarde na ciência moderna – que, de início, era simplesmente denominada de filosofia natural.

A filha ciência cresceu e hoje goza de mais prestígio que a mãe filosofia. Muitos, inclusive, veem a prática filosófica de forma depreciativa, como uma atividade que trata de um mundo sem aparente conexão com a realidade.

Tales, há 26 séculos, já enfrentara tal preconceito. Conta a história que ele foi alvo da zombaria de uma mulher quando caiu num poço ao olhar para o alto. Teve de escutar que queria conhecer as coisas do céu, mas não era capaz de ver o que estava debaixo dos pés.

O próprio Tales, porém, deu uma resposta à galhofa da qual havia sido alvo. Com suas observações astronômicas e meteorológicas, previu com um ano de antecedência uma safra excepcional de azeitonas. Então conseguiu dinheiro para alugar todas as prensas da região. Quando chegou a época da produção do azeite de oliva, ficou rico sublocando os equipamentos que havia alugado. Assim, mostrou que o conhecimento dos céus pode ser imensamente útil.

Tampouco se pode dizer que ideias, mesmo que aparentemente não tenham um fim prático, sejam inofensivas – para bem e para o mal. O pensamento influencia o comportamento. E, desse modo, pode se transformar em ação – seja ela uma simples atitude em relação à vida pessoal ou uma complexa forma de viver em sociedade. A democracia contemporânea, antes de virar realidade, foi uma ideia. O mesmo ocorreu com o liberalismo, com o socialismo, com a social-democracia. É a filosofia que deu a direção das grandes transformações.