A atual conjuntura sociopolítica justifica a retomada da esperança da população nos policiais
A tomada do Morro do Alemão e da Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro, não representa apenas uma nova postura do Estado em relação à criminalidade. O maciço apoio dos brasileiros à ocupação de áreas dominadas pelo narcotráfico é um sinal daquilo que pode ser uma profunda mudança no imaginário popular: o policial está virando herói.
Desde a ditadura militar (1964-1985), quando as polícias estiveram à frente da repressão política, uma corrente hegemônica da intelectualidade de esquerda costumava enxergar o policial como agente de um Estado opressor. A isso se somava a corrupção e a violência históricas das polícias, que recaíam principalmente sobre os cidadãos mais pobres.
O resultado dessa mistura foi a consolidação de uma imagem profundamente negativa da polícia tanto nos meios intelectuais como nas camadas populares. Isso roubou das corporações um de seus mais preciosos bens: a confiança das pessoas.
Além disso, os policiais passaram a não serem vistos como defensores, mas sim como "inimigos" da sociedade ou, ao menos, de parte dela. Isso justificou atitudes como a do ex-governador fluminense Leonel Brizola, que nos anos 80 proibiu a Polícia Militar de subir nos morros cariocas, plantando assim a semente do domínio do narcotráfico nas favelas do Rio.
Outro efeito colateral desse entendimento de mundo foi a vitimização do criminoso e a glamourização da marginalidade. Os bandidos eram encarados como frutos indefesos de uma sociedade desigual. E, com a culpa social nas costas, muitas autoridades e políticos que comungavam dessa crença tornaram-se condescendentes com crimes menores o que criou as condições para eles se tornarem maiores.
O confronto com a polícia e a lei também foi visto por muito tempo como uma atitude libertária o que pode ser conferido em um sem número de filmes brasileiros que romantizam a figura do marginal.
Mas, 25 anos após a redemocratização, as condições que criaram a imagem do policial-inimigo e do bandido-vítima mudaram profundamente. Não há mais repressão política. E a criminalidade cresceu vertiginosamente, implodindo a glamourização da marginalidade.
A atual conjuntura sociopolítica justifica a retomada da esperança da população nos policiais. Essa confiança se materializa em fatos concretos, como no apoio popular à conquista do Complexo do Alemão e da Vila Cruzeiro; ou simbólicos, caso do estrondoso sucesso dos dois filmes da série Tropa de Elite e de seu personagem central, o Capitão Nascimento.
No entanto, pelo menos duas das condições que justificaram o descrédito histórico das polícias ainda não foram superadas: a violência gratuita e a corrupção. Se elas não forem enfrentadas de forma séria pelo Estado e eliminadas das corporações, o bom policial corre o risco de rapidamente perder o recém-adquirido status de defensor da sociedade.