A política da Venezuela se transformou numa pseudorreligião. De líder das massas em vida, Hugo Chávez agora é retratado pelo regime como um messias. Seus restos mortais serão embalsamados para eternizar o comandante e exibi-lo aos devotos. Na segunda-feira, o agora presidente interino, Nicolás Maduro, chamou o falecido de "pai redentor" da pátria. "Não sou Chávez, mas sou seu filho e todos juntos, o povo, somos Chávez", acrescentou. Um jingle televisivo preparado por seus apoiadores diz que ele "nascerá de novo". Pronto. Está fundada a nova igreja em que a nação venezuelana é o corpo místico do Cristo bolivariano que vencerá a morte. O chavismo deixa de ser uma ideologia para virar fé.

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O melodrama venezuelano pinta com as cores quentes e exuberantes do Caribe um fenômeno que volta e meia reaparece com força na história moderna da humanidade – e que, por vezes, se esconde sob tonalidades tíbias nas sociedades contemporâneas. Transformar a política em uma nova forma de religião é uma arma potente para a conquista e manutenção do poder. Porque a fé trata de verdades absolutas, inquestionáveis para os fiéis. E, em seu nome, tudo é permitido quando não há diálogo com a razão.

O nazismo de Hitler "sacralizou" a raça ariana. Stalin ergueu um altar para o comunismo – que, segundo a teoria marxista, seria o fim idílico da história humana. Ambos possuíam uma visão total de mundo, que tudo explicava e para a qual tudo deveria convergir. Conduziram seus povos aos mais atrozes totalitarismos de que se tem notícia. Mas espalharam suas crenças pelo mundo.

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Mesmo nas democracias, ainda hoje há quem acredite nessas ideologias e em seus filhotes como se fossem devotos fundamentalistas. Por se verem como construtores do céu na terra (rebatizado de justiça social), autointitulam-se "progressistas" e tacham de "reacionários" os que não concordam com eles. Como creem serem mensageiros da verdade, buscam interditar a palavra de quem se opõe à "revelação" – ou revolução, como queiram.

Silenciar a discordância ou constrangê-la com ferocidade, porém, é uma negação da própria política – a arte da organização da pólis, do espaço coletivo, da busca de soluções para os conflitos dos cidadãos. Esse acerto social se dá por meio do debate racional, do falar e deixar parlar – aliás, daí vem o termo "parlamento", a arena maior da discussão pública.

A política é, portanto, uma dimensão absolutamente terrena. Foram necessários séculos para que o Ocidente separasse a Igreja do Estado, o transcendente do mundano. Mas, ao desligar-se dessa dimensão cotidiana, a religião deixou um vácuo que por vezes é preenchido por novos tipos de fé e de deuses nada celestiais.