A Segunda Guerra Mundial costuma atrair mais a atenção, ser mais comentada, retratada e relembrada. Mas há quem defenda que ela foi apenas uma continuidade da Primeira Guerra – que começou há 100 anos, em 28 de julho de 1914. O mundo que havia entrado no agora centenário conflito bélico, todavia, saiu profundamente diferente na geopolítica, no modo de vida e na forma de pensar. Não é exagero dizer que várias sementes dos tempos contemporâneos foram lançadas nos campos de batalha da Grande Guerra.

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Politicamente, a derrota dos impérios centrais (o alemão, o austro-húngaro e o otomano), juntamente com a derrubada do czarismo numa Rússia cansada de guerra, jogou a pá de cal na nobreza – ameaçada desde a Revolução Francesa. As fracas repúblicas que nasceram dos escombros monárquicos logo se jogariam nos braços de regimes de força – sobretudo o nazifascismo e o comunismo. O totalitarismo e o autoritarismo, aliás, são ameaças que desde então rondam a humanidade.

A Primeira Guerra também sepultou, junto com os impérios, um ideal de vida materializado nas mesuras do cavalheirismo aristocrático, na tradição e na estirpe de sangue. Os soldados que se alistaram no início do conflito imaginavam que voltariam para casa em pouco tempo cobertos de glória e honra. Passaram quatro anos enfiados em trincheiras imundas, onde enterraram seu idealismo. Triunfariam os valores modernos, para o bem e para o mal: liberdade, igualdade e dinheiro. O modo de vida nobre e aristocrático sobrevive hoje como uma relíquia em poucos lugares, como na Inglaterra.

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Menos evidente é a persistente influência do conflito no campo das ideias. A Grande Guerra encerrou o otimismo da Belle Époque. A humanidade vivera décadas de relativa paz e desenvolvimento econômico e científico. Parecia a vitória definitiva da razão iluminista. Mas a ciência e a tecnologia – expressões do engenho humano – foram postas a serviço da morte e da destruição. A metralhadora concedeu a um único homem o poder de matar um batalhão inteiro. Fertilizantes agrícolas, que em tempos de paz garantiam mais alimentos, foram transformados em armas químicas. O avião permitiu incursões armadas antes inimagináveis.

A desilusão do pós-guerra colocou a própria razão em xeque. A carnificina facilitada pela ciência estimulou correntes irracionalistas de pensamento tais como o niilismo e variadas formas de relativismos. Por que, afinal, confiar na razão, no conhecimento objetivo, no progresso, se tudo isso pode ser usado para o mal? Obviamente, os subjetivismos também não asseguram um mundo melhor. Mas são ainda hoje influentes.

Este é o primeiro artigo de uma série de três textos a respeito dos 100 anos da Primeira Guerra que serão publicados neste espaço às quartas-feiras.

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