A Austrália é um país inusitado e interessante. Não apenas pelos animais exóticos e simpáticos que só existem por lá, como os cangurus e os coalas. Tampouco por ser uma das raras nações ensolaradas a atingir um alto grau de desenvolvimento humano – só perde para a gelada Noruega no ranking do IDH. Os australianos são um dos poucos povos a celebrar uma batalha perdida – algo que não é esquecido pelos aussies, como eles se chamam informalmente. Souberam ver o outro lado da derrota e da adversidade. Não é pouca coisa num mundo em que a vitória, o sucesso, é quase uma obrigação. Onde nada que não seja isso é visto com bons olhos.
O Dia Anzac (sigla em inglês para “Forças Armadas da Austrália e da Nova Zelândia”), em 25 de abril, é um feriado nacional australiano e neozelandês. Relembra o desembarque das tropas desses dois países e da Grã-Bretanha na península turca de Galípoli em 1915, durante a Primeira Guerra Mundial. A batalha durou oito meses, encerrando-se em dezembro (há pouco mais de 100 anos, portanto). A vitória, porém, foi da Turquia, aliada da Alemanha.
A ideia de que cada um tem de ajudar o vizinho na adversidade já fazia parte do DNA australiano desde o início da colonização
A batalha foi perdida. Mas não a guerra. Os aliados, no fim, foram vencedores. E Galípoli entrou para a memória australiana como o local em que emergiu o espírito de camaradagem dos anzacs – e, por extensão, dos próprios aussies.
A ideia de que cada um tem de ajudar o vizinho na adversidade já fazia parte do DNA australiano desde o início da colonização, em 1788. O território da Austrália era inóspito e a distância em relação ao resto do mundo, imensa. Era preciso, portanto, haver colaboração entre os pioneiros em nome da sobrevivência.
O mais curioso é que a Austrália tinha tudo para não dar certo. Para desprezar esse sentimento que a edificou.
Nas suas primeiras décadas, foi a maior colônia penal de que se tem notícia na história. Era usada pelo Império Britânico para se livrar de seus delinquentes. Em 1800, por exemplo, dos cerca de 35 mil australianos, 30 mil eram pessoas condenadas na Grã-Bretanha. Estima-se que, de 1788 a 1868, quando o transporte de presos para a Austrália se encerrou, 160 mil britânicos haviam sido enviados à grande ilha da Oceania para cumprir pena.
Essa gente – normalmente desprezada, que muitos tratam como derrotados – superou o sentimento de insucesso e agarrou a segunda chance que teve. E ajudou a construir um país que hoje é um dos mais democráticos, igualitários e desenvolvidos.
O espírito aussie de ver o outro lado da adversidade e de apoiar quem está na pior pode ser uma inspiração para os brasileiros em um ano que começa sob a sombra de uma forte crise que desanima a muitos. Uma motivação para o recém-desempregado que não encontra um novo trabalho e já começa a questionar sua capacidade profissional. Para a família que tem de baixar o padrão de consumo para ajustar o orçamento. Para o jovem que não passou no vestibular da universidade pública e não sabe se vai conseguir o financiamento estudantil para se manter na faculdade privada. Para qualquer um que simplesmente teve de adiar seus sonhos. E a todos que podem estender a mão ao colega que passa por maus momentos.