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Fernando Martins

Chegamos ao Primeiro Mundo

Sempre sonhamos com o dia em que poderíamos bater no peito e dizer com orgulho que somos um país de Primeiro Mundo. Esse dia chegou. Já somos desenvolvidos, ao menos em um aspecto: a liberdade religiosa – um dos pilares das sociedades modernas.

Reportagem da Gazeta do Povo do último domingo mostrou que o Brasil é um dos países com menos restrições, impostas pelo Estado e pela sociedade, ao culto religioso. A constatação é do estudo Global Restrictions on Religion, produzido pelo Pew Forum on Religion & Public Life. Das 25 nações mais populosas do planeta, somos a primeira nesse quesito – à frente de Estados Unidos, França e Inglaterra, que conceberam a liberdade de religião como fundamento da democracia.

A formação dos Estados Unidos como nação inclusive está umbilicalmente ligada a isso. Grande parte dos primeiros povoadores que chegou à colônia inglesa, no século 17, buscava na América a liberdade de culto que não encontrava na Europa. Esse anseio se consolidou definitivamente em 1791, na primeira emenda da Constituição Americana – que proibiu o Estado de cercear qualquer culto religioso.

Essa mesma emenda também vedou a possibilidade de o Congresso editar leis que atentem contra a liberdade de expressão e contra o direito de a população se reunir pacificamente, inclusive para protestar contra o governo.

A primeira emenda é considerada a base da democracia norte-americana – a mais antiga e estável do planeta. Ela é a pedra angular que estabeleceu os direitos à liberdade de opinião, de associação e de crença, copiados mundo afora. É bom saber, portanto, que superamos – ainda que parcialmente – aqueles que são os nossos professores em matéria de democracia.

Isso não significa a inexistência de atritos religiosos no Brasil. Ain­­da há preconceito de católicos contra evangélicos; de evangélicos con­­tra umbandistas; de muitos con­­tra muçulmanos ou judeus. Mas, pela nossa própria formação ét­­nica diversificada, aprendemos ao menos a tolerar as crenças diferentes da nossa – senão a respeitá-las.

Em um mundo em que a intolerância religiosa é crescente, o Brasil tem muito a ensinar. É de se estranhar, portanto, que estejamos tentando importar de fora práticas que restringem a liberdade de culto. No Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado em dezembro pelo governo federal, está prevista a criação de leis para proibir a ostentação de símbolos religiosos em espaços públicos.

Escolas e repartições governamentais, por exemplo, poderiam vir a ser proibidas de terem crucifixos em suas paredes. Em princípio, pareceria uma "proteção" às demais religiões contra o cristianismo – a crença dominante no país. Mas esse mesmo princípio poderia ser usado para impedir as pessoas de usarem medalhas de santos católicos ou vestes muçulmanas nas ruas, como alguns países europeus vêm tentando fazer.

Restringir a liberdade de expressão religiosa não parece ser o caminho para aperfeiçoar nossa democracia. Pelo contrário: seria um retrocesso contra aquela que talvez seja a melhor das características do povo brasileiro.

Fernando Martins é jornalista

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