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Conta um mito ancestral dos parecis, indígenas nativos do Mato Grosso, que o ser humano foi criado a partir da lasca do tronco de uma árvore. Enorê, a divindade suprema, cortou o madeiro, fincou-o no chão, entalhou nele o primeiro homem e deu-lhe vida com uma varinha mágica. Depois, fez o mesmo com a mulher primordial. E pôs o casal numa floresta com tudo aquilo de que os dois precisavam para viver.

Os índios parecis colocam as matas no centro da criação: o homem é fruto da floresta e dela extrai o que necessita. O historiador e jornalista paranaense Ro­­mário Martins (1874-1948) usou a lenda como exemplo do que chamou de a "função civilizadora da árvore": o culto e o respeito à natureza como fonte da própria vida e do desenvolvimento dos povos, algo que parece esquecido.

O mito dos parecis é relatado no Livro das Árvores do Paraná, o último de Romário Martins, mais conhecido por seus escritos sobre a História do estado. A obra, publicada originalmente em 1944, é um alerta contra a devastação ambiental que ele presenciou ao longo da vida. Naquela longínqua primeira metade do século 20, o historiador já antevia no desmatamento a possibilidade de tornar a terra – e por consequência – a vida estéril.

"A maneira mais rápida e mais prática de inutilizar um país é destruir-lhes as matas – queimá-las ou exportá-las –, que são modos equivalentes para o alcance do mesmo objetivo contra o futuro", anotou o historiador. "A desflorestação das montanhas causa as enchentes das corredeiras ali nascidas, que aumentam em frequência e em violência, lavando os campos e as estradas e ocasionando prejuízos imensos à lavoura e às obras públicas", observou o escritor.

O Livro das Árvores é ainda um registro histórico de outro drama nacional: as leis que não pegam. A obra traz apontamentos de Martins que, como deputado estadual, foi autor do primeiro Código Florestal do país, de 1907. As normas para proteger o meio ambiente foram solenemente ignoradas pelos paranaenses de sua época.

Insistente, Romário Martins propôs à Assembleia uma nova lei florestal estadual em 1919. Essa proposta nem sequer foi aprovada. Mas lançou a pioneiríssima discussão de criar incentivos financeiros para plantios florestais. O objetivo era comercial – garantir madeira. Mas também ambiental: com matas plantadas, seriam preservadas as florestas nativas.

Nove décadas depois, ainda se discutem formas de incentivar economicamente o replantio das áreas degradadas no país. O Código Florestal nacional, de 1965, não é respeitado – tanto que um novo está prestes a ser aprovado no Congresso. Tudo se repete. E a lição dos parecis e do historiador ainda não foi aprendida.

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