Faz parte da profissão. Jornalistas têm o dever de noticiar o que está errado. É um jeito de tentar chamar a atenção dos responsáveis para que solucionem os problemas da sociedade. Às vezes até fica parecendo que só gostamos de notícias ruins. Não é bem assim. Mas, agora, quando são publicadas as retrospectivas do ano, dá a impressão que sim. E 2016 não ajudou nem um pouco. Foi especialmente difícil. Mas também teve muita coisa boa – que nem sempre aparece com o destaque que deveria ter e que faz com que o ano tenha valido a pena. Para começar 2017 com esperança renovada, uma pequena história que aconteceu faz apenas alguns dias em Nova York. E que emocionou muita gente.
Procure o que importa
Era pouco mais de meia-noite do último dia 18. Um nova-iorquino, Jerry, estava sozinho num café do Brooklyn. Ou quase sozinho. Era o único cliente. Só havia mais um casal de jovens funcionários do estabelecimento. Foi quando algo inesperado chamou a atenção de Jerry. E ele começou a narrar ao vivo, pelo Twitter, o que seus olhos estavam vendo. O relato do acontecimento, que durou pouco mais de meia hora, viralizou na internet. Agora, as palavras de Jerry:
0h02: Eu sou o único nesse café e a garota que trabalha aqui acabou de dizer ao colega que ela tem uma queda por ele. Vou manter vocês atualizados.
0h05: Ele perguntou: “Há quanto tempo?” Ela disse: “Seis meses”. Garota, se mexa!
0h05: Ele disse que precisa ir aos fundos para pensar o que dizer.
0h06: Ela está muito ansiosa. Eu quero mais café. E não sei o que sinto por ela.
0h09: Minha xícara está cheia de novo. Ele desapareceu.
Às vezes até fica parecendo que só gostamos de notícias ruins. Não é bem assim
0h10: Ele acabou de voltar dos fundos. E a beijou. PQP!!!
0h11: Ele diz: “Eu não queria admitir isso pra mim mesmo, mas eu sempre senti algo por você”. Isso não está acontecendo!!!
0h13: Eles me perguntaram se está tudo bem se eles saírem por alguns minutos. É claro que sim.
0h17: Eles acabam de voltar de mãos dadas e sorrindo. É tão lindo.
0h19: Entre goles de capuccino, eles estão dizendo um para o outro o quanto estão felizes. Eu sigo sem acreditar.
0h27: Eles acabaram de se beijar de novo. Mas tentaram ser discretos para eu não ver. Eles são perfeitos.
0h32: A garota me deu um muffin de graça pelo comportamento que tive com eles. Madame, foi uma honra!
0h35: Eu estou indo embora agora porque eles estão fechando o café. Mas esta noite renovei minha fé na humanidade. O amor está por aí. Seja como a garota do café e o encontre.
Sorria. E não deixa a oportunidade passar
O fotógrafo australiano Jay Weinstein, radicado na Índia, estava viajando quando se deparou com um homem que lhe intrigou. Ele quis fotografá-lo. Mas hesitou. “Seu olhar severo me intimidou. É sempre esse momento de hesitação que mata uma foto!” (e não apenas uma foto, caro Jay, mas muitas das oportunidades que deixamos passar). Weinstein acabou por evitá-lo. E saiu tirando outras fotos. Até que ouviu uma voz: “Tire minha foto também!” Era o homem severo. “A lente da câmera focalizou, meu dedo se preparou para disparar. ‘Sorria’, eu disse. E ele se transformou. Seu rosto irradiava calor, seus olhos brilhavam com um humor que eu tinha perdido completamente. Até sua postura se suavizou.”
Weinstein, então, percebeu algo que une toda a humanidade. “O que é um sorriso? Alguns músculos faciais empurrando as bordas dos lábios para cima? No entanto, esse simples ato, mesmo forçado, transforma todo o rosto e muda a maneira como uma pessoa é vista. É universal. Supera a religião, etnia, classe, gênero e língua.” Enfim, nos reconhecemos no sorriso do outro. Fica mais difícil querer brigar com alguém que lhe sorri. Fica mais difícil ser preconceituoso. Talvez seja isso que falte hoje em dia, num mundo tão conflituoso.
O fotógrafo, então, decidiu que este seria seu próximo projeto: documentar o efeito do sorriso humano em um rosto estranho. No projeto “... Então eu pedi a eles que sorrissem”, Weinstein retrata pessoas sisudas e, depois, sorrindo. O resultado tornou-se conhecido neste ano.
Seja solidário
O trabalho e o mercado profissional muitas vezes nos levam a acreditar que a vida é como uma competição esportiva. Todas as glórias ficam para os vencedores. Aos derrotadas, o esquecimento. Mas nem sempre é assim. Inclusive no esporte.
Uma das histórias mais marcantes dos Jogos Olímpicos do Rio foi a de duas fundistas: a norte-americana Abbey D’Agostino e a neozelandesa Nikki Hamblin. Elas disputavam a semifinal da prova dos 5 mil metros quando tropeçaram uma na outra e caíram. O que poderia ser motivo de briga entre elas virou uma história de solidariedade.
Abbey se levantou antes e ajudou Nikki: “Levante, levante, temos de terminar isso”. Ambas voltaram para a prova. Mas Abbey havia torcido o tornozelo, que começou a doer muito. Ela parou e foi ao chão de novo. Nikki, ao perceber que a adversária havia parado, recuou e ajudou a colega a se erguer. Nikki apoiou Abbey, que continuava mancando muito. E, mesmo assim, as duas terminaram a prova. Em último. Mas juntas. A organização da Rio 2016, sensibilizada pelo espírito olímpico das duas, as classificou para a final da prova. O importante, afinal, não é vencer. Mas competir.
***
O ano que vem será de luta para todos. Nem sempre venceremos do jeito que imaginamos. Teremos derrotas. Com certeza. Mas, se formos solidários, já haveremos conquistado uma vitória. Feliz 2017!
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