Desde que a humanidade existe, nos questionamos sobre o que somos e o que nos faz singulares. A primeira resposta foi religiosa e está marcada indelevelmente em nosso nome: somos "homens" húmus, em latim. Seres da terra, portanto, em oposição aos deuses celestiais. Ideia que se repete na tradição judaica. Descendemos de Adão, o adamá (barro vermelho) hebraico, animado pelo sopro de Javé.
Aristóteles, na Grécia Antiga, propôs outra abordagem: o homem é um animal racional e social. Assemelhamo-nos às feras. Mas temos a razão a nos iluminar. O biólogo sueco Carl Linnaeus, que concebeu no século 18 o sistema de classificação das espécies, é herdeiro da tradição religiosa e racionalista. Batizou-nos Homo sapiens o barro inteligente.
Desde então, tentamos construir o império da razão. Mas a irracionalidade da violência, o fanatismo atávico e a descoberta das profundezas do inconsciente freudiano insistem em lembrar-nos de que somos animais. Ainda assim, avançamos. A tecnologia é apresentada como prova inegável de nossa inteligência diferenciada.
Contudo, computadores cada vez mais potentes já são capazes de simular a inteligência humana. O Prêmio Loebner, competição internacional realizada anualmente desde os anos 90, coloca juízes para conversar por chat com pessoas e máquinas programadas para imitar humanos. O desafio é descobrir quem é quem. Cada vez mais os computadores têm conseguido enganar os avaliadores. A ponto de muitos questionarem: a tecnologia não está perto de superar nossa singularidade?
A resposta é não e sim. Depende de nós. Os computadores nunca conseguirão abarcar toda a complexidade da inteligência humana, por mais potentes que sejam. É o que diz o poeta e cientista da computação americano Brian Christian, o humano que venceu mais máquinas na competição de 2009, em entrevista publicada na Gazeta do Povo da última segunda-feira (acessível em http://bit.ly/brianchristian). As "lacunas" que a computação não preenche são as características só nossas: criatividade, humor, espontaneidade, intuição, compreensão.
No livro The Most Human Human ("O Humano Mais Humano)", Christian alerta, porém, que o homem pode, sim, ser substituído por máquinas se se permitir ser como elas. Ou seja, se automatizar sua vida e suas relações. Pois aí o computador será superior. E um grande risco de caminharmos para isso é trocar a riqueza da comunicação pessoal por interações exclusivamente mediadas pela tecnologia que eliminam sutilezas como entonação e emoção, e assim abrem brechas para mal-entendidos.
Talvez não sejamos mais os reis absolutos da racionalidade. Mas, retomando Aristóteles, ainda somos os senhores da sociabilidade. Não devemos perder isso.
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