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Fernando Martins

Nossa caça às bruxas

A história é farta de perseguições coletivas a determinados grupos sociais. Tempos depois, à luz da razão, a sociedade percebe o absurdo que cometeu. Talvez o exemplo desse tipo de insanidade que mais nos venha à cabeça seja o holocausto praticado pelos nazistas na II Guerra Mundial. Mas não é o único caso: entre os séculos 14 e 18, milhares de mulheres foram queimadas sob a acusação de praticar feitiçaria.

A expressão "caça às bruxas", herdada daquele período histórico, define esse comportamento que leva as massas à histeria e à violência – ou, ao menos, a se calar diante da brutalidade praticada pelos vizinhos. Longe de ter ficado no passado, a "caça" reaparece de tempos em tempos, em diferentes graus de insensatez, sob novos formatos e com diferentes feiticeiras a serem postas na fogueira. E o pior: ela costuma seduzir as mais insuspeitas pessoas.

Na semana passada, o Brasil foi confrontado com essa fraqueza humana e percebeu que aqui, em plena modernidade, também ocorrem caças coletivas insanas. Que outra definição poderia ser empregada em relação à perseguição sofrida por uma estudante na Uniban, em São Paulo? As cenas que se espalharam pela internet e chegaram à televisão mostram uma multidão de universitários em polvorosa, nos corredores da universidade, atrás de uma colega que supostamente estaria usando roupas mínimas, indecentes.

O vestido que a jovem usava, aliás, nem afrontava o padrão socialmente aceito. Mas, como não se sabe quais são as razões da desrazão, isso não importava para a turba. Um professor – veja bem: um professor! – disse em entrevista a uma emissora de televisão que a mulher não deveria ter comparecido à universidade com aqueles trajes. Logo depois, ele emendou que não a tinha visto, mas apenas ouvido falar de sua roupa.

Curiosamente, dois sentimentos aparentemente inconciliáveis foram o combustível do episódio: o moralismo e o imoralismo. Alguns universitários homens queriam ver a mulher supostamente seminua. Outros queriam gravá-la com as câmeras de seus aparelhos celulares para depois se "deliciarem" com as imagens ou para postá-las na internet. Aliados aos movidos a sexo estavam os moralistas radicais, sempre dispostos a atirar a primeira pedra.

A tensão foi tão grande que a moça teve de ser retirada da faculdade sob escolta policial para não sofrer agressões. A pergunta que ficou no ar, depois do incidente da Uniban, é aparentemente sem resposta: como algo tão corriqueiro – uma mulher usando um vestido um pouco mais ousado – pode levar a um descontrole coletivo tão grande? Talvez nunca tenhamos a explicação. Mas temos a lição da história: é preciso ficar alerta para a fera interior que habita cada um de nós; ela só espera uma oportunidade para escapar e ir à caça.

Fernando Martins é jornalista

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