Para o bem ou para o mal, o carnaval é uma pequena síntese do Brasil, de suas potencialidades e fraquezas. Para uns, é a festa de um povo com vocação para a alegria. Para outros, a bagunça maior de uma gente que não consegue se organizar. Ou ainda uma terceira visão: a folia organizada de um povo que, durante quatro ou cinco dias, encontra alguma igualdade e felicidade no meio do caos e da injustiça social.
A festa de 2017 não deixou por menos. Vários acontecimentos deste carnaval podem ser interpretados como metáforas do país.
Para começar, o desfile das escolas de samba do Rio. Ninguém pode negar que não há ali organização, com horários rígidos e até punições para as agremiações que estouram o cronômetro. Além disso, neste ano o desfile foi, como sempre, suntuoso. Mas cheio de falhas na estrutura. Cinco carros alegóricos tiveram problemas. Três deles foram graves o suficiente para causar acidentes envolvendo pessoas; 32 ficaram feridas.
Fosse apenas um fato isolado e o caso poderia ser classificado como fatalidade. Mas a reincidência permite especular que há algo mais: uma propensão dos carnavalescos em olhar a aparência (o principal fator avaliado pelos juízes) e se esquecer da segurança, da infraestrutura.
Não é por acaso esse um dos problemas do país? Sobretudo dos políticos? Grande parte deles está preocupada excessivamente no marketing que lhe garantirá uma boa imagem para a próxima eleição. Mas não assume compromisso efetivo com a melhoria da qualidade de vida da população.
O desfile do Rio também traz outra constatação para quem o compara com aqueles de algumas décadas atrás: cada vez há menos pobres e negros na avenida. A passagem das escolas pela Sapucaí cresceu, virou um grande negócio e se elitizou. Outro paralelo com um desafio do país: como se desenvolver e permitir a inclusão de todos?
A resposta vem sendo dada pelos próprios cariocas há alguns anos, num movimento espontâneo que se espalha por outras grandes cidades: os blocos. Se é caro curtir a Sapucaí, por que não aproveitar o carnaval em qualquer outra rua sem ter de tirar um centavo do bolso? Muita gente pensou nisso junto. E multidões tomaram conta do Rio.
Pode-se dizer que os blocos representam o resgate do ideal de igualdade e democracia do carnaval perdidas na Avenida do Samba. São um recado claro dos brasileiros para quem sabe interpretar: o que é bom tem de ser para todos. Seja uma festa. Ou os serviços de saúde e educação.
São Paulo foi uma das cidades que em 2017 definitivamente sofreu o contágio da febre carioca dos blocos. Mas a folia paulistana também deixou evidente outra deficiência do Brasil: as autoridades não estão bem preparadas para se antecipar a problemas.
Um exemplo: a prefeitura de São Paulo estimou que 25 mil pessoas iriam comparecer ao bloco Agrada os Gregos. Quase o dobro de foliões saíram: 40 mil. Obviamente, o excesso de gente não prevista pegou o poder público de surpresa e houve confusão no trânsito. A “solução” encontrada pelo prefeito João Doria – aquele que diz não ser político, mas adora um marketing como quase todo político – parece surreal: multar o bloco. E mais surreal ainda é o valor da multa: R$ 800.
Alguns burocratas ainda pensam que, se não é possível se antecipar aos problemas, por que não cortar logo o mal pela raiz? Por pouco não foi isso que ocorreu em Curitiba, que quase foi contaminada pela demofobia – o medo do povo (e sobretudo do povo nas ruas) que acomete as autoridades. A zombie walk – que nunca causou nenhum incidente – foi cancelada por falta de “alvará”. Sim, o Brasil ainda é o paraíso da burocracia. Mas felizmente o bom senso prevaleceu e os zumbis se levantaram da tumba a tempo de percorrer o calçadão da Rua XV no domingo de carnaval.
Obviamente, o Estado não deve atrapalhar uma manifestação popular. E, na medida do possível, tem de estar preparado para dar uma mão para que a festa seja curtida por todos sem problemas. Mas também é preciso dizer que nem tudo é culpa das autoridades. A sujeira que fica no rastro de um bloco, por exemplo. Muita gente responsabiliza a prefeitura: reclama que falta lixeira. Mas quem joga o lixo no chão não é a prefeitura. Achar que o Estado tem de fazer tudo: outro problema do país. Até porque dava para o folião carregar uma sacolinha ou uma mochila para guardar seus resíduos. Ou não dava?
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