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Existem duas concepções a respeito da natureza da humanidade. Uma preconiza que o homem é essencialmente mau, egoísta, invejoso. A outra defende que o ser humano é fundamentalmente bom, apesar de suas imperfeições. Embora essa discussão pareça tão somente filosófica, ela produz efeitos no dia a dia de todos. E faz parte, por exemplo, do atual debate jurídico e científico sobre segurança pública: é possível ressocializar e libertar criminosos psicopatas?

Mas, antes de chegar à psicopatia, é preciso discorrer sobre como as duas correntes filosóficas influenciam o cotidiano. A formatação do Estado como conhecemos hoje – e consequentemente das políticas públicas – vem justamente de uma ou de outra dessas vertentes do pensamento.

No século 17, o filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), defendeu a ideia de que o ser humano é ruim. Assim, o Estado deveria controlar com mão forte o destino dos indivíduos – tudo para conter a natureza má da sociedade e evitar a barbárie. Hobbes justificou, assim, o absolutismo dos reis de sua época e as ditaduras subsequentes.

Na mesma época, o inglês John Locke (1632-1704) acreditava na natureza boa do ser humano. Dizia que, em virtude disso, o homem podia ter liberdade e se autogovernar. Nascia o fundamento filosófico do liberalismo e das democracias modernas – num modelo de Estado limitado, que apenas coíbe as imperfeições da sociedade. O regime democrático é considerado, até hoje, o melhor sistema de governo que a humanidade conseguiu conceber, demonstrando que a aposta na bondade do homem obteve sucesso.

O Brasil não escapou de ser influenciado pelos dois modelos. Após a ditadura militar, período de inspiração hobbesiana, todo o arcabouço jurídico da redemocratização foi inspirado na concepção de Locke. Isso é evidente, por exemplo, na legislação penal, construída a partir da ideia de ressocialização: como todos são bons, até os criminosos podem ser reeducados para o convívio em sociedade.

O problema é que, em quase quatro séculos, a ciência evoluiu a ponto de poder declarar que algumas pessoas (ressaltando, algumas pessoas) são efetivamente más, antissociais e irrecuperáveis, conforme mostrou extensa reportagem publicada na última quinta-feira nesta Gazeta do Povo. É o caso de assassinos com psicopatia e de criminosos sexuais.

Portanto, a realidade é que, apesar da maioria boa, há uma minoria ruim. E, apesar de minoritários, os psicopatas perigosos formam um pequeno exército. Estudos indicam que 4% da população têm algum traço de psicopatia e que, dentro desse grupo, 1% pode cometer homicídios ou delitos graves. Dentro de um universo de 190 milhões de brasileiros, seriam 76 mil pessoas potencialmente más.

O Direito deveria contemplar esse fato. Mas, como está fundamentado na concepção do homem bom, há um evidente desconforto jurídico em abordar casos que desviam do padrão. A Constituição Federal, por exemplo, numa clara aposta na ressocialização, prevê que ninguém pode ser preso por toda vida, ainda que a ciência indique que há quem não possa ter o direito ao convívio social.

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