Foi para Portugal, perdeu o lugar. Embora o provérbio tenha no máximo pouco mais de 100 anos*, a sabedoria contida nele é milenar: se algo é abandonado, alguém irá tomar posse. Isso vale tanto para a melhor vaga no sofá em frente da televisão como para uma nação inteira. Explicando: se o Estado se omitir e não estiver presente em qualquer pedacinho do país, alguém vai se apropriar desse chão.
Era o que vinha ocorrendo nas favelas do Rio de Janeiro. Deixadas à própria sorte por seguidos governos, essas comunidades se tornaram território do tráfico. E o Estado, para combater a criminalidade, por muito tempo se esqueceu do que diz o ditado popular. Punha a polícia para subir o morro e caçar bandidos. Mas logo depois o aparato policial voltava para a tranquilidade do asfalto ou seja, ia metaforicamente para Portugal.
Como sabedoria é sabedoria, ainda que popular, o resultado não podia ser diferente: as ações eram um retumbante fracasso. Depois de serem expulsos, os criminosos voltavam a ocupar o lugar abandonado pelas autoridades.
Os erros do passado ajudaram, porém, a formar um consenso de que a presença constante do Estado nos morros é essencial para garantir a paz permanente. Isso se materializou no projeto de Unidades de Polícia Pacificadora, as bem-sucedidas UPPs.
Essa lição não pode mais ser esquecida. A segurança pública parece estar aprendendo-a, ao custo de muitas vidas. Mas a "síndrome de ir a Portugal", marcada pela ausência e omissão governamentais, ainda grassa no Brasil. E o cidadão se percebe deslocado em seu próprio país, não conseguindo ocupar seu "lugar".
É assim, por exemplo, na escola pública. Na falta de uma educação de qualidade ofertada pelo Estado, o espaço é preenchido pelas instituições privadas de ensino de forma legítima, diga-se. Mas, na impossibilidade de o cidadão ter acesso a esse sistema particular ou a uma boa escola governamental, resta-lhe a ignorância e a desinformação.
Do mesmo modo, a omissão estatal nas políticas sanitárias é como uma máquina que cunha dois lados bem distintos de uma mesma moeda: a doença, para os desassistidos; e a inevitabilidade de contratar um plano de saúde privado, para os remediados.
* Em tempo: o ditado "Foi para Portugal, perdeu o lugar" teve origem nas primeiras décadas do século 20, quando muitos portugueses imigraram ao Brasil em busca de trabalho. Em São Paulo, o contingente de patrícios era muito grande e as vagas de trabalho na capital ou nas lavouras de café do interior acabavam sendo disputadíssimas. Quem decidisse voltar a Portugal por algum motivo, com certeza perderia o lugar.
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