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O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, declarou na última segunda-feira, em discurso na Organização dos Estados Americanos (OEA), que "a era da Doutrina Monroe acabou". Idealizada pelo presidente James Monroe em 1823, a doutrina ficou famosa pela máxima "a América para os americanos". E passou para o imaginário como síntese da imposição, por vezes truculenta, dos interesses comerciais e políticos dos norte-americanos. Mas, a despeito dessa percepção de um pragmatismo sem limites, a doutrina tem essencialmente um motor moral que está no cerne da identidade dos EUA. E por isso mesmo é difícil acreditar que a concepção de Monroe será abandonada.

Originalmente, a Doutrina Monroe era uma advertência contra a Europa caso pretendesse recolonizar suas antigas possessões recém-libertas no Novo Mundo. À época, os EUA ainda não eram uma potência bélica para fazer frente a uma investida europeia. Mas já queriam estabelecer sua zona de influência. Por detrás desses interesses geopolíticos, no entanto, havia a ideia de que o Novo Mundo era o espaço da liberdade e democracia, em contraposição às monarquias do Velho Continente.

Os EUA, é preciso destacar, foram povoados por colonos puritanos que vieram às Américas para poder professar livremente sua religião – algo que não podiam fazer na Europa. Dessa mistura de liberdade com religiosidade nasceu aquilo que ficou conhecido como Destino Manifesto: a crença de que os norte-americanos foram escolhidos por Deus para disseminar a liberdade e a democracia pelo mundo.

Mas o Destino Manifesto e a Doutrina Monroe logo se transformaram em exemplo de como pretensões de superioridade moral facilmente se degeneram ao se misturar com o mundo real. Ambos justificaram reiteradas intervenções nas Américas e no resto do planeta.

Kerry tenta agora dissipar essa desconfiança histórica. Disse que, daqui para a frente, as demais nações do continente serão tratadas como "iguais" e que os norte-americanos não vão mais se declarar unilateralmente "protetores" do continente. Apesar do discurso, é pouco provável que a índole norte-americana cesse com meras palavras. Os EUA sentem-se líderes morais desde sempre. Apenas alternam fases de "expansão" às de "encolhimento". Ao que tudo indica, estão nesta última.

Talvez se Barack Obama não tivesse sido reeleito em 2012, haveria uma inflexão. O candidato republicano derrotado, Mitt Romney, expressou claramente isso: "Deus não criou este país para que fosse uma nação de seguidores. Os EUA não estão destinados a ser apenas um dos vários poderes globais em equilíbrio. Os EUA devem conduzir o mundo ou outros o farão".

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