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Fernando Martins

O luxo sem pecado

Muito se falou sobre o casamento do príncipe William com Kate Middleton, na última sexta-feira. Houve quem enxergou nas bodas reais uma boa notícia em meio a tantos acontecimentos ruins – a consumação do amor entre um nobre e uma plebeia, roteiro típico dos contos de fadas. Teve quem torceu o nariz, dizendo tratar-se de ostentação de luxo pela monarquia britânica ou de um mero subterfúgio para os ingleses se esquecerem da crise econômica por que passam. E não faltaram aqueles que não viram motivo algum para haver tanta comoção, ta­­chando tudo de futilidade.

A despeito das críticas sobre sua possível frivolidade, o casamento real despertou nos quatro cantos do mundo um interesse inegável que revela muito do ser humano e da sociedade moderna. E a explicação (ou ao menos parte dela) está relacionada ao fascínio que o luxo exerce desde sempre sobre o homem.

O filósofo francês contemporâneo Gilles Lipovetsky, em uma definição peculiar, diz que o luxo é a expansão da existência humana e um importante fator a diferenciar o homem dos animais. O luxo é a opulência, o excesso. E a busca por ter mais do que o estritamente necessário à sobrevivência é o que faz a humanidade superar sua condição de animalidade, afirma Lipovetsky.

Mas o conceito de luxo não se encerra na simples ideia da opulência. O luxo é também o refinamento, o bom gosto, a beleza. E o homem gosta do que é belo e de viver bem. Nesse sentido, é natural a atração exercida pela elegância do casamento real, tal qual o ímpeto que move as pessoas a apre ciar obras de arte.

O sim do casal da realeza britânica revela ainda um aspecto marcante do mundo atual: a relativa democratização do luxo. A solene celebração na Abadia de Westminster não foi privada. Ao contrário, teve transmissão televisiva para quem quisesse assisti-la. A pompa da monarquia, desse modo, tornou-se parcialmente acessível a todos. E reproduzível: não será nenhuma surpresa se milhares de noivas ao redor do planeta copiarem o vestido de Kate para se casar como se fossem princesas.

Obviamente, não se quer fazer aqui uma apologia incondicional do luxo. Lipovetsky reconhece que, em um mundo com tantas desigualdades, há muito de escandaloso na ostentação. Trata-se, porém, de reconhecer que a tantas vezes criticada busca pelas coisas luxuosas e refinadas é parte legítima da vida. O grande problema, alerta o filósofo francês, é que isso se torne uma obsessão consumista e passe a ser a razão última da existência.

Mas não é pecado fazer uma extravagância de vez em quando ou parar os afazeres do cotidiano para sonhar com um casamento real. Pode ser frívolo. Mas é absolutamente humano.

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