Mia Couto provavelmente é um nome estranho à maioria. Tampouco o fato de ter vencido na semana passada o Prêmio Camões de literatura – um dos principais da língua portuguesa – parece suficiente para alçá-lo à notoriedade. Num Brasil que pouco lê e que nutre indiferença pela África, não seria de esperar que tivesse reconhecimento muito além do mundo literário: Mia é escritor e moçambicano. Mas justamente aí reside seu inesperado valor: a obra dele lembra que pode haver algo de bom naquilo que por vezes vemos com desdém.

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Eu mesmo "tropecei" ao acaso no pensamento de Mia numa entrevista que ele concedeu ao repórter Yuri Al’Hanati, desta Gazeta do Povo, em novembro passado. Foi uma agradável surpresa ter contato com um narrador que é reconhecido pela pequena filosofia cotidiana que permeia sua obra – a qual, confesso, ainda pouco conheço. Na entrevista, porém, ele fisgou minha atenção ao relatar uma dessas histórias de sabedoria popular: a fábula do macaco e do peixe.

Quando Moçambique começou a ter eleições livres, diz Mia na reportagem, os políticos passaram a percorrer o país nas campanhas eleitorais. Numa localidade distante e isolada, certa vez um candidato disse aos aldeões que iria "salvá-los" de sua miséria. Prometeu estradas, escolas, hospitais. Muitos se animaram. Mas ele não convenceu a todos. Um dos anciões da tribo agradeceu a gentileza do candidato. E sentenciou: o discurso do forasteiro parecia a velha história do macaco e do rio.

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O político, prossegue Mia, perguntou, então, que história era aquela. Ao que o velho respondeu: um macaco na beira do rio viu um peixe e decidiu salvá-lo do afogamento. Quando retirou-o da água, o peixe imediatamente se debateu, sufocando. Mas o macaco, certo de que fazia o bem, se admirava: "Como está feliz o peixe". Não tardou, porém, para o infeliz ser aquático morrer. Foi o suficiente para o macaco, do alto de sua suposta sabedoria, concluir: "Se tivesse chegado antes, teria salvado o pobre animal".

Há muitas interpretações possíveis da fábula relatada pelo escritor moçambicano – ele não tentou enumerá-las. Pode ser uma metáfora do engodo ao qual os políticos tentam nos submeter com promessas fabulosas. Ou então, do risco representado por quem se impõe a missão de redimir aqueles que estão "perdidos" em nome do bem, da religião, da ciência, da ideologia ou da civilização.

E – por que não? – pode ainda ser uma alegoria de nós mesmos, da tentação do autoengano e da soberba de imaginar que sabemos tudo, inclusive o que é melhor para o outro. Muitas vezes esse outro – que pode ser um escritor de uma nação periférica ou um pobre aldeão africano – tem muito a nos ensinar.

PS: a entrevista com Mia Couto pode ser acessada em http://bit.ly/11g9gxd

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