Na diplomacia, as palavras têm um peso muito maior do que se costuma atribuir a elas. Não raras vezes, o principal significado está nas entrelinhas e no contexto, naquilo que não é dito, mas apenas sugerido.
A passagem pelo Brasil do presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi repleta desses simbolismos. Como o visitante é o homem mais poderoso do planeta, os discursos dele foram devidamente dissecados. Mas, talvez por isso mesmo, deixou-se um pouco de lado a análise do pronunciamento de Dilma Rousseff, igualmente cheio de nuances que revelam um dilema econômico do país e a esperança de superá-lo.
Três demandas brasileiras foram apresentadas por Dilma a Obama: o apoio dos EUA à reivindicação por uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU; o interesse em firmar parcerias nas áreas de educação e tecnologia; e o fim das barreiras protecionistas ao álcool, carne, suco de laranja e aço do Brasil.
A conquista da vaga no Conselho de Segurança é um pleito essencialmente político. Já as outras demandas têm caráter econômico. E apontam para dois modelos bem distintos de desenvolvimento: um baseado na ciência e na tecnologia; outro sedimentado na exportação de commodities.
No discurso, Dilma deixou subentendida a contradição que o Brasil vive. O país quer caminhar para o futuro, em direção à economia do conhecimento. Mas não pode simplesmente deixar para trás a economia das matérias-primas, que pautam o crescimento nacional desde o descobrimento.
Dados do Ministério do Desenvolvimento revelam como o país depende de produtos de baixo valor agregado: no ano passado, 62,4% do valor das exportações brasileiras foram de bens não industriais ou de pouca tecnologia. Em contraposição, mercadorias de alta ou média-alta tecnologia compuseram 61,1% das importações.
Não é de estranhar que o peso econômico do setor primário tenha se materializado em poder político. E que disso resulte o intenso lobby que o Itamaraty faz, para abrir os mercados agropecuários internacionais, um esforço sem paralelo em relação a outros produtos.
É bom deixar claro que as commodities não são necessariamente "adversárias" da economia do conhecimento. As duas podem ser complementares. O risco, porém, é o Brasil continuar dando ênfase excessiva aos interesses do setor primário em suas relações externas e na política de desenvolvimento interno.
Talvez essa postura histórica se justificasse quando a maioria dos brasileiros morava no campo e era ali que estavam os empregos. Porém hoje mais de 80% dos brasileiros vivem em cidades. São pessoas que precisam de trabalho na indústria e nos serviços de preferência, nos de alta tecnologia, que pagam melhor. É aí que deveriam estar os esforços do governo.
O pronunciamento de Dilma, nesse sentido, é um sinal de esperança. No discurso, a economia do conhecimento foi colocada no mesmo patamar dos tradicionais setores agrícola e mineral. Se as palavras virarem ação, o país entra em definitivo no século 21.
P.S.: saio de férias e volto a publicar a coluna em 4 de maio.