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Fernando martins

O papel de bala no chão, a tradição e a Receita

Já ouvi pessoas de fora de Curitiba relatando que jogavam lixo nas ruas de suas cidades, mas que se sentiam envergonhadas de fazer o mesmo na capital paranaense simplesmente porque os moradores daqui (ao menos uma boa parte deles) costumam usar as lixeiras – e não porque há uma lei que proíba essa atitude. É um exemplo de como uma tradição – no caso, a do apreço dos curitibanos pela limpeza – pode contribuir positivamente por meio do constrangimento social. Tradições funcionam como uma espécie de guia para que as pessoas possam se situar na sociedade em que vivem.

Mas elas também podem ser perniciosas, “autorizando” comportamentos inadequados. Esse parece ser o caso da Receita Estadual. Segundo as investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), a corrupção no Fisco do Paraná já dura 30 anos, passando por oito gestões estaduais – não necessariamente de forma sistemática. Contudo, a persistência das supostas irregularidades ao longo das décadas, se realmente for confirmada, só pode ser explicada por meio de uma espécie de tradição interna do órgão, à qual os novos fiscais que entram na Receita se sentem constrangidos de se opor e que acaba por seduzir parte deles para cometer atos ilícitos.

Além da aplicação da lei àqueles que cometem irregularidades, a solução para os problemas das instituições públicas também está em modificar os maus costumes arraigados

As tradições – as crenças, atitudes e costumes partilhados por uma comunidade – são, nesse sentido, muito mais fortes que as leis e as normas.

Em certa medida, é o que ocorre em muitas outras instituições que apresentam disfunções. As polícias brasileiras são consideradas violentas não porque isso esteja escrito em seu estatuto, mas porque esse comportamento é partilhado por parte expressiva de seus integrantes. O Judiciário, que pela legislação tem de zelar pela igualdade dos cidadãos, costuma buscar benesses para seus membros sem ver nenhum problema nisso. E assim podem ser listados tantos outros casos.

Desse modo, pode-se dizer que, além da aplicação da lei àqueles que cometem irregularidades, a solução para os problemas das instituições públicas também está em modificar os maus costumes arraigados – até porque alguns deles nem mesmo são ilegais, mas apenas imorais.

A dificuldade é que tradições não costumam ser criadas; surgem espontaneamente. Pode ser inútil tentar “inventar” novos hábitos para impô-los a um determinado grupo.

A despeito disso, as tradições ruins podem e devem ser criticadas. E as críticas e a exposição públicas costumam criar o saudável constrangimento que dificulta que esses costumes se perpetuem. Mais ou menos como alguns forasteiros sentem-se ao chegar a Curitiba e ao jogar um papel de bala no chão.

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