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Fernando Martins

Por uma educação cidadã de verdade

Quem foi estudante até a década de 80 cursou duas disciplinas que hoje fazem parte da história dos currículos escolares: Educação Moral e Cívica e Organização Social e Política Brasileira, popularmente conhecida pela sigla OSPB. Elas caíram em desgraça com a redemocratização do país, pois traziam um forte ranço do regime militar, sintetizado no lema "Brasil, ame-o ou deixe-o". As duas matérias carregavam o estigma de serem peças de doutrinação da ditadura e foram eliminadas do currículo.

Quase 26 anos após a retomada do poder pelos civis, porém, talvez seja hora de repensar, sob outro prisma, a ideia de haver uma disciplina específica e obrigatória para se ensinar e discutir nas escolas o civismo – ou a cidadania, para usar um termo mais condizente com os novos tempos.

A constatação vem do fato de que, em duas décadas e meia de democracia, os brasileiros ainda não sabem exatamente o que é ser cidadão. Ou seja, desconhecem grande parte de seus direitos e deveres. E também confundem os conceitos de público e privado.

Isso se materializa em fatos corriqueiros como a violência no trânsito, o som alto nas praias durante o verão, o lixo jogado nas ruas, o esgoto despejado na rede de águas pluviais. A ignorância dos conceitos de cidadania, assim, reforça um traço do caráter nacional: imaginar que o que está do portão de casa para fora é espaço de ninguém e que, portanto, pode ser apropriado por quem chegar primeiro.

Esse pensamento é causa ainda de os políticos continuarem a insistir na corrupção, no nepotismo, na briga fisiológica por cargos na formação de governos – só para ficar em alguns exemplos que a imprensa vem noticiando nos últimos tempos. Afinal, se o eleitor continua elegendo aqueles que têm essas atitudes, é sinal de que elas são aceitáveis ou toleráveis para uma parte expressiva da sociedade. Ou, numa constatação igualmente provável, é um indicativo de que essa parcela da população nem sequer tem noção da importância do voto e escolhe alguém que não conhece quando está em frente da urna.

Seja qual for o motivo, ele só reforça a percepção de que há a necessidade de a população aprender o que é, enfim, a cidadania. A Lei de Diretrizes Edu­­cacionais, de 1996, até traz como princípio do ensino nacional a formação cidadã dos estudantes. Mas não estabelece uma disciplina obrigatória de ensino de cidadania. A atribuição de formar o cidadão, portanto, acabou sendo dividida entre as diversas matérias – a tal transdisciplinariedade. O problema é que outro traço do caráter nacional é ver aquilo que é responsabilidade de todos como responsabilidade do outro – que acaba virando obrigação de ninguém.

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