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Os brasileiros se orgulham da capacidade de rir de si próprios. Essa facilidade, digamos, é às vezes tratada pelos mais engajados como alienação, comodismo e apatia. Como é possível rir das bandalheiras recorrentes em Brasília, imaginam alguns. Para os mais resignados, o humor seria uma forma de crítica. De mostrar que o povo sabe dos desmandos. A chacota seria uma maneira de desmoralizar o corrupto e o administrador incompetente. Achar graça de projetos faraônicos e contraditórios.

Não sei se esse tipo de reação é apenas brasileira. É comum ver nos jornais e na televisão a população de outros países sair às ruas para protestar contra seus governos. Nós já fizemos isso em muitos momentos da história do país. Tivemos o movimento das Diretas-Já, que pedia a redemocratização do país, e o Fora Collor, que pedia o impeachment do ex-presidente Fernando Collor, só para ficar nesses dois exemplos. Só não sei se outros povos também têm a mesma capacidade de rir das suas mazelas e contradições.

Essa facilidade de criticar os atos governamentais é centenária no Brasil. Quando a família real portuguesa, fugindo da tropa francesa de Napoleão, que invadiu Portugal, desembarcou no Brasil em 1808, acabou causando um problema imobiliário no Rio de Janeiro, então a capital da colônia. A cidade tinha cerca de 60 mil habitantes. Com dom João VI vieram aproximadamente 15 mil pessoas. Parte desembarcou na Bahia, outra no Rio. Para acomodar tanta gente, os cariocas foram desalojados de suas casas pelo governo. Na frente das propriedades eram colocadas placas com a sigla PR (propriedade real). Um aviso para o ocupante deixar o imóvel. Logo virou piada e a população começou a chamar as placas de "ponha-se na rua". Desabrigados, mas sem perder o humor.

Quando era prefeito de São Paulo (1985-1988), o ex-presidente Jânio Quadros (1917-1992) decidiu modernizar o transporte público da capital paulista e fazer algumas obras viárias para tentar melhorar o caótico trânsito local. Jânio decidiu tocar obras polêmicas, que dividiram a opinião pública. Admirador de Londres, o prefeito colocou nas ruas os famosos ônibus de dois andares. Os paulistanos logo apelidaram o veículo de dose dupla, um gracejo sobre a altura do meio de transporte e também ao suposto gosto por etílicos de Jânio.

Humoristas e chargistas agradecem. São alimentados diariamente por situações que facilitam seu trabalho. Críticas, bem-humoradas sim, mas que não deixam de ser críticas.

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