A soltura na semana passada de Abib Miguel, ex-diretor-geral da Assembleia do Paraná, revela pelo menos dois aspectos da Justiça brasileira que ajudam a perpetuar a corrupção: os infindáveis conflitos de competência jurídica e o foro privilegiado.
Bibinho não foi libertado porque seus advogados conseguiram provar que ele é inocente das acusações. Ele ganhou a liberdade simplesmente porque conseguiu convencer o ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), de que o Ministério Público estadual (MP) não tem competência legal para investigá-lo e a Justiça estadual para julgá-lo.
Os conflitos de competência atuam no sentido de travar investigações e julgamentos. Eles levam defesa e acusação a discutir longamente quem tem de investigar e julgar. E contribuem para que o desfecho dos casos atrase enquanto correm os prazos de prescrição dos crimes. O que fica é a sensação de impunidade.
Além disso, nos casos de corrupção as leis brasileiras levam a esse tipo de impasse, pois o corrupto normalmente não se contenta em cometer um único crime, de uma única esfera judiciária.
As irregularidades na Assembleia, por exemplo, envolvem dois possíveis crimes cujo foro de apreciação são diferentes: desvio de dinheiro de um poder do Paraná (crime estadual) e sonegação fiscal (crime federal). Ainda que Bibinho não tivesse sido solto, o debate jurídico sobre a competência de julgar esse caso inevitavelmene se imporia. De quem, afinal, é a responsabilidade: da Justiça estadual ou da federal?
Já o foro priviligiado uma excrescência do sistema judiciário nacional, que trata cidadãos de forma diferenciada potencializa a lentidão dos julgamentos.
A defesa de Bibinho alegou ao STF que ele não podia ser investigado pelo MP porque o caso em que o ex-diretor está envolvido seria o desdobramento de outra investigação de irregularidades na Assembleia, o esquema gafanhoto. E, como esse caso envolve ex-deputados estaduais que hoje são parlamentares federais, ele é de responsabilidade legal do STF o foro de investigação e julgamento de ocupantes da Câmara dos Deputados.
Assim, mesmo não sendo deputado, Bibinho se beneficiou desse privilégio. Pode ser que um dia o caso volte à instância estadual, depois de novas discussões sobre competência. Mas o tempo continuará correndo a favor da impunidade.
Vale lembrar ainda que, pelo fato de ser um tribunal constitucional, não tendo estrutura para instruir processos criminais de forma ágil, o Supremo costuma ser moroso na apreciação de casos de corrupção.
É preciso, portanto, repensar o foro priviligiado e definir de forma mais clara de quem é a competência quando elas estão sobrepostas. Outra alternativa seria a instituição de uma instância judiciária única para os casos de corrupção envolvendo agentes políticos, o que eliminaria os conflitos de competência. Um projeto de lei nesse sentido foi apresentado em 2007 no Congresso. Ele previa a criação do Tribunal Superior de Probidade Administrativa, que concentraria os casos dessa natureza. Mas o debate em torno do assunto nunca foi adiante.