Relatei na semana passada um estudo do cientista político Cass R. Sustein, professor de Direito da Universidade de Chicago (EUA), revelando que uma única manifestação individual que se opõe ao comportamento dominante, mas que é sensata e correta, pode desmobilizar toda uma conduta equivocada ou conformista da maioria das pessoas.
Tomei a liberdade, a partir do pensamento de Sustein, de citar um exemplo local: a persistência da família Yared em busca de justiça conseguiu quebrar o senso comum de que os políticos podem fazer o que bem entendem e que é melhor as pessoas não "enfrentarem" as autoridades. O ex-deputado Fernando Ribas Carli Filho, por exemplo, teve de renunciar diante da repercussão da tragédia repercussão esta desencadeada pelos pais de Gilmar Yared, morto na colisão em que o ex-parlamentar se envolveu.
Sustein argumenta, porém, que o conformismo é natural ao ser humano. Rotineiramente adotamos comportamentos em conformidade com a conduta da maioria. Ou seja, buscamos naturalmente a aprovação dos outros e, para isso, muitas vezes fazemos as coisas como todos fazem. Tendemos, portanto, à concordância e não ao dissenso. E evitamos situações em que possamos parecer a voz dissonante.
Mas Sustein alerta que esse tipo de atitude pode levar a variados problemas sociais, ao calar as vozes de bom senso. É o caso da política brasileira, desvirtuada diante do conformismo e imobilismo da sociedade em fazer algo contra os desmandos dos políticos.
Por essa razão, o que os pais do jovem morto fizeram toma uma dimensão tão grande. A mobilização da família Yared é uma saudável exceção de tudo o que costuma ocorrer na esfera pública do país.
Mas por que o comodismo cívico é a regra no Brasil? Sustein nos dá algumas pistas. Ele argumenta que as sociedades, organizações e grupos que punem aqueles que discordam do pensamento ou das atitudes dominantes tendem a ter menos êxito, pois é na diversidade de ideias que nasce o sucesso. Talvez essa seja a nossa falha como país: não cultivar, como outras nações, a cultura do contraditório.
Dessa constatação resulta uma série de possíveis ações para incentivar o dissenso. É preciso assegurar sempre a liberdade de expressão e de imprensa. Deve haver restrições à concentração do poder político nas mãos de poucas autoridades, para que elas não possam intimidar cidadãos. É necessário ainda haver canais eficientes e seguros para denúncias contra políticos.
Quem sabe nós não possamos começar a mudar tudo isso. Que tal, na próxima vez em que alguém não concordar conosco, não ficarmos bravos, e sim respeitarmos a opinião contrária? Afinal, isso é muito bom para a sociedade.
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Serviço
Mais informações sobre o pensamento de Cass R. Sustein podem ser obtidas no artigo "Por que as sociedades precisam de dissenso", publicado na Revista de Direito Público de Economia, de Belo Horizonte, ano 4, nº 13, edição de janeiro/março de 2006.
Fernando Martins é jornalista.