Os tais algoritmos que regem nossas vidas digitais às vezes me irritam. Tentam adivinhar aquilo de que nós gostamos. E nos ofertam muita bobagem. Mas ok. Eu me rendo. Eles também acertam. Outro dia esbarrei em minha timeline com o vídeo de um norte-americano, Gavin Roy, no qual ele comenta sobre verbos do português que não existem no inglês (Gavin estuda nossa língua). Como as letras são meu instrumento de trabalho, me interessei. Puxando a linha da web, logo me deparei com outro vídeo em que ele comenta sobre o que mais gosta e o que menos gosta no Brasil. E aqui chego ao ponto: na visão de um estrangeiro, o que temos de bom também se expressa na forma como falamos. Mas isso acaba passando despercebido no nosso dia a dia. E ficamos imersos naquilo que há de ruim no país. E o curioso é que isso tudo tem muito a ver com o momento atual por que passamos.
Chega de voltas e vamos ao que importa. Comecemos por alguns dos verbos elencados por Gavin. “Entreolhar” é um deles. Não que os americanos não tenham como dizer o mesmo. Mas necessitam de mais de uma palavra para expressar o singelo ato de trocar olhares. “Entreolhar”, portanto, é um verbo preciso. E, principalmente, poético. A ponto de chamar a atenção de um norte-americano acostumado à objetividade.
Talvez esse não seja um dos melhores atributos do brasileiro, o que nos causa por vezes problemas. Mas, se o que é objetivo apela à mente, a subjetividade fala ao coração – como um poema. E isso tem seu valor. Muito valor. Somos, enfim, acolhedores, calorosos.
Na visão de um estrangeiro, o que temos de bom também se expressa na forma como falamos
Calor que se expressa em “agasalhar”. Embora os falantes de inglês – sobretudo nos Estados Unidos, Canadá e no Reino Unido – vivam em locais mais frios do que portugueses e brasileiros, eles não inventaram um verbo que expresse essa ação. E, cá entre nós, “agasalhar”, apesar de poder ser um gesto voltado a si mesmo, rotineiramente passa a ideia de conforto dado ao próximo. Tanto que, no dicionário, uma de suas definições é abrigar alguém, hospedar.
“Desabafar” é outro verbo sem correlato no inglês. E que implica uma relação de intimidade que parece ser tipicamente brasileira.
Uma proximidade e pessoalidade que se transformam rapidamente em informalidade. “Topa uma cerveja? Topo.” Quem nunca conversou assim com um amigo? Pois é. Gavin diz que nenhum convite desse tipo soa tão informal no inglês como quando usamos nosso “topar”.
“Combinar” – no sentido de acertar algo com alguém, tal como uma cervejinha no fim do dia – também o fascinou. O que há de mais próximo disso no inglês é “plan” (planejar). Muito formal, convenhamos.
Não é preciso ir muito além para concluir o que Gavin, no outro vídeo, diz mais apreciar no país: o calor humano, a intimidade, a hospitalidade. São qualidades destacadas não só por ele, mas por vários estrangeiros que nos visitam.
Mas por vezes nos esquecemos disso. Só enxergamos o que temos de ruim. E ficamos num círculo vicioso, imprecando contra o Brasil e o brasileiro – muito em função da política, naturalmente. “Esse país não tem jeito” talvez seja a frase que melhor defina esse estado de coisas. Isso é tão forte que chamou a atenção do americano em sua estada por essas bandas. Para ele, o que há de pior no país são os brasileiros que reclamam do Brasil. Que dizem não gostar daqui. Que só enxergam problemas.
Mas isso tem jeito. Quem sabe não seja justamente usar o que temos de melhor – o cuidado com o outro – para melhorar o país. Esse é um potencial que temos de “aproveitar” – outro verbo que não tem similar no inglês.
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