Beronha garante que a vida é uma sequência de mancadas. Algumas maiores, outras menores ou nem tanto, mas sempre mancadas. Natureza Morta prefere Guimarães Rosa: "Viver é muito perigoso".
De qualquer modo, por uma daquelas coincidências da vida, a dupla foi parar no Rio de Janeiro, recentemente. De cara, seguiu para o sindicato. Explico: sindicato é um bar, na Avenida Atlântica, Ipanema. Na verdade, o nome é "Sindicato do Chope", junto à famosa, principalmente nos anos 1970, Galeria Alaska.
Foi naquele ponto, aliás, que assassinaram Almir Morais de Albuquerque, o Almir Pernambuquinho, um dos jogadores mais fantásticos e polêmicos do futebol brasileiro. Foi em fevereiro de 1973. Almir, com 36 anos, "catimbeiro, valente e brigão", envolveu-se numa discussão e acabou morto a tiro. O rolo aconteceu com um grupo de portugueses, no bar "Rio-Jerez", em frente à Galeria Alaska, na noite do dia 6. Eles mexeram com alguns travestis e Almir interveio, peitou a turma, saiu pro braço. Um dos portugueses sacou o revólver e, com um amigo do jogador também estava armado, "o tiroteio rolou solto no calçadão da Avenida Atlântica".
Revelado pelo Sport Clube Recife, Pernambuquinho foi para o Vasco da Gama em 1957, aos 19 anos, tornando-se ídolo da torcida. Jogou também no Corinthians, nos anos 1960 (o ano confere, professor Jacy Cruz?), quando foi anunciado pelo presidente Vicente Matheus como "o Pelé branco" (também confere, professor?). Esteve na Fiorentina, Boca Juniors, Genoa, Santos, Flamengo e América carioca. Encerrou a carreira em 68.
Entre as brigas em campo, a mais famosa de Almir e não por menos chamada de batalha campal ocorreu no jogo Brasil x Uruguai, em 1959. Houve outra, homérica, pelo Campeonato Carioca de 1966, na partida Flamengo x Bangu. O Mengo perdia feio, havia fortes indícios de "esquema" (jogadores e o árbitro na gaveta) e Almir saiu "distribuindo pontapés, socos e cabeçadas". O Bangu foi campeão, mas não deu a volta olímpica. Depois, declarou:
Agente ia levar um saco de gols e eu resolvi acabar com o carnaval. Quem passou pela minha frente apanhou.
Esse era Almir Pernambuquinho, que tombou não com uma bala perdida. Seria muita ironia, uma molecagem para quem nada temia.
Vai daí que, prosseguindo o papo agora com um velho amigo, o Gerardo Titus Montilla, Beronha quase desabou com uma observação:
Você está exatamente no lugar em que Almir foi morto.
Beronha pediu mais uma, reforçando a dose pro santo, enquanto Natureza repaginava o assunto, recordando as peladas nas areias do Leme, contra a "pá" (turma) do Cueca.
Tempos em que não só era possível jogar futebol livremente em Copacabana como a fonte da corrupção e do banditismo estava no jogo do bicho e, os imperadores do crime, eram idealizados com uma certa aura de romantismo, figuras como Cara de Cavalo e Mineirinho.
Hoje, na antiga Galeria Alaska, onde funcionava a explosiva boate "Catacumba", existe até uma igreja evangélica.
Francisco Camargo é jornalista
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