Há profissões e profissões, é óbvio, como há trabalho e trabalho. O pleno exercício de algumas profissões vale pela paga e pela nobreza de sua finalidade. Na maioria dos casos, apenas pela nobreza, já que estamos longe daquele grupo que apenas fica aguardando o efeito cascata do reajuste salarial aplicado no andar de cima.

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Espalharam que o trabalho enobrece o homem. Beronha tem lá suas dúvidas. Nunca foi do batente, ou simpatizante. No máximo, ficou encantado com Salário do Medo (Le Salarie de la peur), filme de 1953, ou mais precisamente com o trabalho de direção (sem trocadilho) de Henri-Georges Clouzot, já que é a história de um trio que se arrisca a transportar nitroglicerina de caminhão por estradas esburacadas. Destino: um campo petrolífero onde uma torre precisa ser explodida para conter grande incêndio. Aliás, Mario, o personagem de Yves Montand, não era empregado de carteira, mas um aventureiro que sobrevivia fazendo bicos.

Natureza Morta, por sua vez, acha que, se não enobrece, o trabalho pelo menos abre janelas de inclusão e pode sepultar absurdos de uma sociedade que segrega e discrimina. Basta ver, lembra, que custou a ter fim a constrangedora exigência na qual a mulher, ao preencher um documento público, era compulsoriamente forçada a declarar "profissão: do lar".

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Mas, enobrecendo ou não, pagando bem ou não, o ofício condena à execração pública algumas profissões. Caso de um amigo, que é leiloeiro. Aliás, quantos leiloeiros você conhece? Praticamente nenhum, certamente, embora a profissão tenha sido regulamentada em 1932. Cabe ao leiloeiro a intermediação na venda – ou seria revenda – de bens alheios.

Voltando ao amigo do Natureza: bom sujeito, caladão, anônimo. Motivo: os "cavacos do ofício". Ele atua não por decisão própria, mas para o cumprimento de uma tarefa que tem de ser executada. Depois de anos e anos de leilões públicos – é funcionário de um banco estatal –, enfrentou muita coisa, começando por pessoas portadoras de apelos dramáticos para não perder o imóvel, o carros, joias ou outras coisas de valor.

- Um inferno... Como convencer o cidadão que eu não sou responsável pelo leilão, apenas um servidor público cumprindo com o dever? Como despachar o sujeito que bate à porta (ou telefona) pedindo para "dar um jeitinho", cancelando o leilão?

Uma rotina desgastante. Apesar do possível exagero, pedir perdão ao leiloeiro é como um condenado à morte implorar aos pés do carrasco para que não acione a guilhotina, serre a corda da forca, desligue a chave ou corte o fornecimento de energia da cadeira elétrica. Ou ainda, que o verdugo jogue no vaso sanitário as pastilhas da câmara de gás ou quebre a agulha da seringa preparada para a injeção letal. Nosso leiloeiro acumula um peso extra nas costas.

- Nunca fico feliz após o expediente. Nem mesmo naquele dia da tremenda coincidência: o objeto do leilão era o apartamento da ex...

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Assim, evita falar sobre o seu trabalho. Leilão? Prefere dizer hasta pública, já que poucos sabem o que significa. Não por falta de "experiência". Os primeiros leilões aconteceram na Babilônia, 500 a.C., mas a culpa é sempre do mordomo. No caso, o nosso amigo.

Francisco Camargo é jornalista