Lembro de uma passagem das aventuras de Asterix, o Gaulês, personagem criado na década de 50 por Albert Uderzo e René Goscinny. Depois de aplicar uma coça nos chatérrimos invasores, desconcertados com o que sempre lhes acontecia, Asterix esfrega a palma das mãos, ao lado de Obelix. Um dos soldados, totalmente zonzo, faz um último esforço na tentativa de golpeá-lo. Leva mais uma bifa, a derradeira. Asterix comenta:

CARREGANDO :)

– Esses romanos são todos uns neuróticos.

Sim, minha senhora, há versões em que neurótico é substituído por maluco. Sim, depende da edição que a senhora leu, ou viu as figuras. Sim, é isso, tradução, traição.

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Beronha e Natureza Morta intervêm:

– É por tudo isso que a gente fica cada vez mais estafado...

O melhor remédio contra os chatos é manter distância, muita distância. Vai daí que, na falta do refúgio na Av. Beira-Mar s/nº (já estão construindo espigões e condomínios por lá), a saída é o Pantanal. Trata-se da imperiosa necessidade de se buscar qualidade de vida. Posso dar uma dica: Refúgio Ecológico Caiman, a 230 quilômetros de Campo Grande, Mato Grosso do Sul, 53 mil hectares de tranqüilidade.

Beronha preocupado:

– 230 é muito perto...

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Prosseguindo: o refúgio atrai gente de todo o mundo, mas em doses homeopáticas para manter a natureza pura.

Foi em Caiman que conheci um pequeno grupo de senhoras e senhores da Europa e dos Estados Unidos. Todos os anos, eles chegam para gravar canto de pássaros. Inevitável. Ficaram amigos. Amadores, mas verdadeiros estudiosos do assunto. Apesar da idade "bastante razoável", todos cotonetes (cabelos brancos), como diz o Beronha, penetram na mata ao amanhecer e só retornam no fim do dia. Aí, tomam umas e outras, mais outras do que umas, fumam à vontade e batem papo. Descontraídos, como se estivessem no portal do paraíso, trocam experiências e cada um relata como foi a aventura do dia, postados na beirada da sombra da mata.

Contou-me um dos "caimaners" (guias) que, não raras vezes, pinta alguma "maldade", própria da confraria que formaram. Exemplo: uma inglesa sabe que o maior sonho do amigo americano é fotografar e gravar o som de uma arara-azul, ou Anodorhynchus hyacinthinus, já que ele só usa o nome científico. Intimidade é outra coisa... Diante de seus lamentos (nunca topou com a tal arara ), a senhora costuma alfinetar o ego alheio com a maior fleuma:

– Anodorhynchus? Ora, localizei três hoje, e bem de pertinho... Além de gaviões Polyborus, Busarellus e Rosthramuse, um passeriforme, acho que um João-Pinto Icterus...

E assim, blagues à parte, o grupo vai levando a vida na santa paz. Comentário do Natureza:

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– Já que não contamos mais com a Avenida Beira-Mar S/N, resta à nossa trupe seguir para o Pantanal – sem mapa nem bússola.

A propósito do êxodo para deixar para trás malas, chatos, conexos, congêneres e assemelhados, vale, porém, a doce advertência do poeta Mário Quintana:

"No céu é sempre domingo.

E a gente não tem outra coisa a fazer senão ouvir os chatos.

E lá é ainda pior que aqui, pois se trata dos chatos de todas as épocas do mundo."

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Francisco Camargo é jornalista.