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Francisco Camargo

Temporadas eleitorais

Sempre a caminho do Calvário – ou melhor, do Bar do Calvério –, Beronha encontra o Natureza Morta. Ambos queimadíssimos. Natureza conta que passou os últimos dias de sol estonteante não na praia, mas no cabo da enxada, cuidando da horta comunitária, na Vila Piroquinha. Beronha, ao contrário, diz que ficou tostadinho porque está em campanha. Panfleteia para um dos candidatos a prefeito. Qual?

– O voto é secreto. Só conto em juízo...

A única coisa que depõe sem ser em juízo e mesmo algemado é que trata de agitar a massa, mesmo não sendo padeiro do Márcio, na Italipan, e preferencialmente em frente de botecos:

– A turma adianta o expediente. Em outubro a lei seca será em dose dupla...

A respeito de eleição, lembrei – não que já fosse vivo em 1910, vamos devagar – de uma história da campanha civilista de Rui Barbosa. Como, minha senhora? Não, ele não é a praça onde tem o ônibus do Xaxim, mas o cidadão que dá nome ao logradouro público. Rui, a Águia de Haia; Rui, o gênio da raça.

Rui foi lançado candidato à Presidência para fazer frente, como paisano, ao militar Hermes da Fonseca – sim, minha senhora, depois ele viraria marechal, o marechal Hermes, dando nome a uma rua e a uma linha de ônibus... Exatamente, minha senhora, aquela que passa pelo Museu do Olho.

Bancado pelo PRP – Partido Republicano Paulista –, Rui investia no eleitorado de cidades maiores, mas, em uma das viagens, foi parar em uma cidadezinha do interior.

Depois conhecer a pracinha principal, passeou pelas breves, curtíssimas ruas próximas. A cidade, como diria o tio Duca, era tão pequena que o sujeito demitido não ia pra rua. Era mandado pro mato. Voltemos, porém, ao tranqüilo passeio do nosso luminar da Boa Terra. Lá pelas tantas, arrasado com os gritantes erros de português nas vitrinas e placas do comércio, abriu um triunfal sorriso ao passar por uma alfaiataria.

– Finalmente! – bradou mentalmente, inclusive com o ponto de exclamação. Gênio tem direito a isso, pensar usando ponto de interrogação, de exclamação, três pontinhos, ponto e vírgula, silepse...

Feliz da vida, entrou no estabelecimento, à cata do proprietário:

– Boa tarde! Permita-me a intervenção de inopino: eu sou...

E, mesmo diante do ar aparvalhado do alfaiate, continuou:

– Parabéns! O senhor, na cidade inteira, foi a única pessoa a grafar corretamente o nome do estabelecimento: Alfaiataria Águia de Ouro! Beleza!

Mais espantado ainda, o dono respondeu um tanto quanto constrangido:

– Não é Águia de Ouro, não senhor. É Agúia de Ouro...

Tempos mais recentes (pero no mucho)

Um amigo jornalista foi trabalhar no comitê de imprensa de um certo candidato. A pauta do dia era colher depoimentos na rua para jogar no horário eleitoral da televisão. Na hora de editar as entrevistas, a frustração. O melhor dos depoimentos, feito por uma senhora que não era de coluna social, estava irremediavelmente condenado.

– Por que eu vou votar nele? Ora, porque ele é pobre como eu...

O candidato era dono de um dos maiores bancos do país.

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