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José Carlos Fernandes

A incrível festa de Alberto Palma

 | Foto: Marcelo Andrade – Arte: Gilberto Yamamoto
(Foto: Foto: Marcelo Andrade – Arte: Gilberto Yamamoto)

Em 2003, quando estava próximo de completar 70 anos, o publicitário Dirlo Alberto Di Palma decidiu dar uma festa. Festa show. Nem conto. Perto do que ele aprontou, nossos aniversários ficam reduzidos a saraus vespertinos. Mas adianto que precisou fazer um painel de fotos, no melhor estilo "essa é sua vida", para entreter os convidados e coisa e tal.

Enquanto retirava os guardados dos armários, Palma entendeu ter participado de uma outra festa – ainda maior e de longuíssima duração. Começou no fim da década de 1950, ocasião em que o mundo estava cansado de guerra, e só "parou, parou por quê?" na hora em que os embalos dos anos 1970 alteravam a órbita da Terra.

As provas de que tinha vivido estavam ali, em cada panfleto, em cada retrato salvo graças à mania de estocar tudo. Palma desbeiçou feito uma mocinha de drama mexicano. Depois, fez o que deveria fazer. Pôs-se a organizar seu acervo em pastas por áreas em que atuou – uma para o circo, outra para a televisão, essa para o cinema, aquela para o teatro de revista e para o telecatch. E viu que tudo era bom.

A gente folheia o material e fica com inveja branca do Palma. Mordam-se – o cara ganhou foto com dedicatória até da vedete Virgínia Lane. Não à toa, políticos e pesquisadores costumam lhe pedir, quase de joelhos, que venda ou doe seu tesouro. Sem conversa. "Vai ficar aqui, para que meus netos saibam o que eu fiz."

As futuras gerações da família Palma hão de se beliscar três vezes. Vovô é de morte. Sua incrível trajetória começa na Tinturaria Mil Cores, Praça Osório, em plenos anos dourados. O pai do nosso herói tinha uma chapelaria anexo, pela qual passavam os cavalheiros elegantes que flanavam pela Avenida Luiz Xavier, em meio às lotações movidas a gasogênio e bondes Birney.

O balcão da chapelaria foi uma faculdade para o piazito, fã do Zorro. Logo captou tão bem como funcionava la dolce vita que caiu nas graças do maior especialista no assunto, o empresário Paulo Wendt, o "Rei da Noite", dono de uma dezena de restaurantes e boates na capital, entre eles a mítica Marrocos, na Marechal com a Muricy.

Palma virou braço direito do homem, o que lhe garantia ir dos céus aos inferninhos antes das 12 badaladas do relógio – às 19 horas podia acompanhar uma recatada orquestra que tocava Bach (a música erudita era uma das paixões do "Rei") e às 4 da madruga desfrutar da companhia de extrovertidas Ninon Rose ou Janette Jane, bailarinas da companhia de Walter Pinto. Se o Feliciano vir os retratinhos das gurias, vai querer usá-los em seu projeto de "cura gay".

Mas Palma não era só um faz-tudo. Era criativo. Ainda na década de 1960, já trabalhando com outra majestade – o empresário de tevê Nagib Chede –, colocou Agnaldo Rayol em carro aberto por aí. Parar a cidade estava entre suas especialidades. Também adorava inventar drinques – o Wi-fi era uma curitibaníssima mistura de vodca com a nossa Crush. Dava festas disputadas a tapa no Fontana Di Trevi. Reinventava a publicidade local em campanhas da Óticas Brasil e da Sombrinha de Ouro. Editava a revista Cine TV. Ah, sabia escandalizar como poucos, o que lhe garantia recomendações expressas de que fosse mandado para a fogueira, com seu Simca Chambord e tudo.

Reza a lenda que a mulher do governador Ney Braga proibiu que Palma fizesse teatro de revista no palco do Guaíra: ali não era lugar para tantas pernas e seios desgovernados. Nada o detinha. Deve ter provocado uns três enfartes fulminantes na população ao promover o longa Sodoma e Gomorra, em plena Marechal Deodoro. Foi por volta de 1962. Para a tarefa, chamou três respeitáveis funcionárias de casas noturnas, talvez da Boate Caverna, em trajes de figurantes encaloradas. Ainda dá para ouvir as buzinas.

Não atirem pedras: Palma levou muita gente para ver Os Dez Mandamentos. Engordou as bilheterias dos cines Odeon e Broadway. Mais. Visionário, tinha faro para novidades. Graças a ele, o telecatch, um fenômeno mundial que ocupou até o semiólogo Roland Barthes, circulou pelos ringues Paraná afora. Netinhos do Palma: vovô é história, mas também conceito.

P.S.: O publicitário adora contar que trouxe a Jovem Guarda a Curitiba, antes mesmo da febre do iê-iê-iê. Hospedou os cabeludos no Hotel Del Rey. Anos atrás, encontrou a cantora Wanderléa no avião. Perguntou se ainda lembrava dele. "Sim, você é o Palma", desmanchou-se a Ternurinha. Mais de três décadas tinham se passado. Mordam-se de novo.

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