Em 2003, quando estava próximo de completar 70 anos, o publicitário Dirlo Alberto Di Palma decidiu dar uma festa. Festa show. Nem conto. Perto do que ele aprontou, nossos aniversários ficam reduzidos a saraus vespertinos. Mas adianto que precisou fazer um painel de fotos, no melhor estilo "essa é sua vida", para entreter os convidados e coisa e tal.
Enquanto retirava os guardados dos armários, Palma entendeu ter participado de uma outra festa ainda maior e de longuíssima duração. Começou no fim da década de 1950, ocasião em que o mundo estava cansado de guerra, e só "parou, parou por quê?" na hora em que os embalos dos anos 1970 alteravam a órbita da Terra.
As provas de que tinha vivido estavam ali, em cada panfleto, em cada retrato salvo graças à mania de estocar tudo. Palma desbeiçou feito uma mocinha de drama mexicano. Depois, fez o que deveria fazer. Pôs-se a organizar seu acervo em pastas por áreas em que atuou uma para o circo, outra para a televisão, essa para o cinema, aquela para o teatro de revista e para o telecatch. E viu que tudo era bom.
A gente folheia o material e fica com inveja branca do Palma. Mordam-se o cara ganhou foto com dedicatória até da vedete Virgínia Lane. Não à toa, políticos e pesquisadores costumam lhe pedir, quase de joelhos, que venda ou doe seu tesouro. Sem conversa. "Vai ficar aqui, para que meus netos saibam o que eu fiz."
As futuras gerações da família Palma hão de se beliscar três vezes. Vovô é de morte. Sua incrível trajetória começa na Tinturaria Mil Cores, Praça Osório, em plenos anos dourados. O pai do nosso herói tinha uma chapelaria anexo, pela qual passavam os cavalheiros elegantes que flanavam pela Avenida Luiz Xavier, em meio às lotações movidas a gasogênio e bondes Birney.
O balcão da chapelaria foi uma faculdade para o piazito, fã do Zorro. Logo captou tão bem como funcionava la dolce vita que caiu nas graças do maior especialista no assunto, o empresário Paulo Wendt, o "Rei da Noite", dono de uma dezena de restaurantes e boates na capital, entre eles a mítica Marrocos, na Marechal com a Muricy.
Palma virou braço direito do homem, o que lhe garantia ir dos céus aos inferninhos antes das 12 badaladas do relógio às 19 horas podia acompanhar uma recatada orquestra que tocava Bach (a música erudita era uma das paixões do "Rei") e às 4 da madruga desfrutar da companhia de extrovertidas Ninon Rose ou Janette Jane, bailarinas da companhia de Walter Pinto. Se o Feliciano vir os retratinhos das gurias, vai querer usá-los em seu projeto de "cura gay".
Mas Palma não era só um faz-tudo. Era criativo. Ainda na década de 1960, já trabalhando com outra majestade o empresário de tevê Nagib Chede , colocou Agnaldo Rayol em carro aberto por aí. Parar a cidade estava entre suas especialidades. Também adorava inventar drinques o Wi-fi era uma curitibaníssima mistura de vodca com a nossa Crush. Dava festas disputadas a tapa no Fontana Di Trevi. Reinventava a publicidade local em campanhas da Óticas Brasil e da Sombrinha de Ouro. Editava a revista Cine TV. Ah, sabia escandalizar como poucos, o que lhe garantia recomendações expressas de que fosse mandado para a fogueira, com seu Simca Chambord e tudo.
Reza a lenda que a mulher do governador Ney Braga proibiu que Palma fizesse teatro de revista no palco do Guaíra: ali não era lugar para tantas pernas e seios desgovernados. Nada o detinha. Deve ter provocado uns três enfartes fulminantes na população ao promover o longa Sodoma e Gomorra, em plena Marechal Deodoro. Foi por volta de 1962. Para a tarefa, chamou três respeitáveis funcionárias de casas noturnas, talvez da Boate Caverna, em trajes de figurantes encaloradas. Ainda dá para ouvir as buzinas.
Não atirem pedras: Palma levou muita gente para ver Os Dez Mandamentos. Engordou as bilheterias dos cines Odeon e Broadway. Mais. Visionário, tinha faro para novidades. Graças a ele, o telecatch, um fenômeno mundial que ocupou até o semiólogo Roland Barthes, circulou pelos ringues Paraná afora. Netinhos do Palma: vovô é história, mas também conceito.
P.S.: O publicitário adora contar que trouxe a Jovem Guarda a Curitiba, antes mesmo da febre do iê-iê-iê. Hospedou os cabeludos no Hotel Del Rey. Anos atrás, encontrou a cantora Wanderléa no avião. Perguntou se ainda lembrava dele. "Sim, você é o Palma", desmanchou-se a Ternurinha. Mais de três décadas tinham se passado. Mordam-se de novo.
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