Conheci Sued Jorge Nassar num casamento. Ele era o juiz de paz e deixou parte da audiência com lencinhos encharcados, parte lhe pedindo um cartãozinho, pois nunca se sabe. Ele é o cara. Em vez de ministrar uma cerimônia protocolar, recolher as assinaturas e dar no pé com um pedaço de bolo no tupperware, gastou seu melhor latim e até contou, com penas de cronista, como os noivos Paola e Rodrigo se apaixonaram. Meninos, eu vi mulheres ameaçadoras, aquelas de terninho Chanel, se derreteram feito mocinhas de novela.
Pois é, Sued faz o gênero romântico argumentativo hiperbólico. Diz que é de nascença. E que não lhe peçam para explicar por quê, há exatos 15 anos, se empenha tanto em fazer da troca de alianças o tal do melhor momento do resto da vida. Deve ser culpa de seu pai Elias Nassar, com quem tudo aprendeu.
Elias um sírio castiço tinha devoção das arábias por casamentos, o que fez dele o juiz de paz mais disputado das redondezas. Chegava a fazer sete cerimônias num dia, somando no currículo algo como 100 mil enlaces. Aos 86 anos, ao cair de mais um buquê, pediu arrego, levando consigo páginas e páginas da História da Vida Privada nas araucárias.
Tenho cá para mim que com tantas horas de casório Elias poderia ter sido um sociólogo do mercado afetivo. Sabia tudo do consórcio matrimonial, do varejo ao atacado. Vejam só: aprovado o divórcio, chegou a casar duas, três vezes a mesma pessoa. E conta-se que ao ver a festa atrasada, não se rogava em buscar a noiva em casa e até passar na confeitaria para apanhar o bolo.
Sued, é certo, usa de meios mais modernos. Antes do dia marcado, pede aos noivos que lhe contem por e-mail como se conheceram, usando desses relatos para criar sua pirotecnia de emoções. Depois de analisar as confissões, procura inspiração na literatura, escolhendo o conto ou a fábula para a ocasião. Segundo consta, o método lítero-cartorial é infalível.
O homem leva tanto jeito para Sherazade que, tempos atrás, foi interpelado por uma noiva para que explorasse tal talento num curso de contação de histórias, o que fez prontamente. Não por menos o juiz se tornou um narrador das mil e uma noites, ao custo módico de R$ 14 a R$ 24, colocando em risco a milionária indústria de núpcias.
Ele precisa de pouco. Aos 55 anos, cabelo em riba, voz bem posta e pinta de figurante de Lawrence da Arábia, põe-se a falar piano. É truque. Pronto, abre o peito e conta como os deuses criaram tudo o que há, mas perceberam que uma espécie era muito diferente. Para salvá-la da solidão, espalham o perfume do amor, fazendo com que homens e mulheres identificassem quem lhes faria companhia.
Essa versão revisada e ampliada da tampa e sua panela faz sentido. Tempos atrás Sued casou um presidiário e sua carcereira. Passaram por sua pena também muçulmanos, judeus, hindus, velhos, adolescentes combinando retalhos e cetins. Ele bem mais velho que ela 50 anos. Às vezes ela é linda ele, cruz-credo. "Quem ama, casa", vaticina. O juiz mesmo já se casou três vezes e concorda com o que vem afirmando dois filósofos veteranos: Alain Badiou e Luc Ferry. O casamento refina os costumes, aumenta a tolerância, impulsiona a economia, move o mundo.
Bem, Sued prefere dizer a mesma coisa sem tanta crase. Para ele, as pessoas se casam por que encontram onde reclinar a cabeça. "Estar comprometido é a suprema liberdade". Não lhe perguntem por quê. A resposta, sussurra, é dada pelos noivos, na troca de alianças, quando lhes dá a palavra. "O que eles dizem é sempre lindo", encerra nosso Sued. Sorry, solitários.
E ademã... O juiz ia rumo a um casamento, às 17 horas de uma quarta-feira. Vi-o sumir numa Curitiba em trânsito. Mal imagina toda a gente que ali se vai o dono da profissão mais bonita da cidade.
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