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José Carlos Fernandes

Albertinho Limonta não morreu

Há um ano, as portas da casa do ator Gustavo Souza não sabem o que é uma graxa. Dobradiças, ali, rangem mais do que tampa de caixão em filme de terror. Nessa casa também não pára copo no armário da copa. Nem plástico na despensa. Molhos de chave somem por encanto. Muito estranho.

Tudo o que é tralha faz pouso no quarto do Gustavo. É de onde vem a zoeira. Quando as chaves tilintam no copo – crashtpum - é como se fosse o atentado às Torres Gêmeas. Plástico amarfanhado vira faz-de-conta de temporal – tipo os lá da Flórida. E porta rangendo, bem, é porta rangendo mesmo, porque se a porta não for barulhenta ninguém vai entender que o vilão entrou – inhó – a mocinha escapuliu – inh㠖 para em seguida, sôfrega, encher de beijocas algum bonitão: ai, oh, smash.

Radionovela é assim, dramalhão e batuque na cozinha. Qu’est-ce que c’est?

Pois é. O moço transformou seu quarto num estúdio de gravação para reviver – em pleno bairro do Ahú – um gênero que descansava em paz na memória de alguma vovozinha. Tudo no melhor do estilo Era do Rádio – em plena Era do MP3. Albertinho Limonta não morreu. E sóror Helena da Caridade, tirando a canseira nas pernas, passa muito bem, obrigado.

Gustavo tem 26 anos contadinhos. Quando nasceu, campeãs de audiência feito Em Busca da Felicidade, de 1942; O Direito de Nascer, de 1951; e Jerônimo, o Herói do Sertão, de 1953, já pareciam tão fora de moda quanto engolir uma colherada de Biotônico Fontoura antes do almoço, usar maiôs Catalina e passar bomba-de-flit para espantar barata. Mas como se dizia – "o tempo não apaga."

Deve ser mesmo muito bom fazer novela no rádio: primeiro é soltar o pigarro – hum-hum –, depois fitar o microfone com ares de Valentino, empostar a voz e arrancar do peito quilowatts de emoção. Tanto é que para fazer esse "vale a pena ouvir de novo" Gustavo deu baixa em sua carteira nos Correios; Alê Maya, 37, e Rodrigo Hayalla, 22, pediram as contas num cartório; e Márcia Cris, 31, passou no guarda-livros da ótica e disse "[pausa] adeus."

O expediente de Alê, agora, é como vil㠖 pior que a Nazaré. Rodrigo vai de canastrão – na pele de portugas, alemães e italianos com sotaque castiço de Santa Felicidade. Márcia, engraçadinha, nasceu talhada para papéis cômicos. E Gustavo – cujo vozeirão deixaria ouriçadas as macacas de auditório – faz escola na pele de madurões "... de 65 anos para cima."

Desde que chutou o balde, o quarteto já produziu seis radionovelas, quatro delas levadas ao ar numa AM. Virou alegria de solitários, românticos incuráveis, nostálgicos e demais bons brasileiros que não desgrudam do radinho de pilha nem quando vão ao Miguel. No auge das tramas, o celular da Cia. toca mais que o 156. Tinha um gari que ligava da rua que varria. "E aí, a Laís vai ficar com quem?"

Dia desses, para tristeza do Jeca, a emissora que abrigava o projeto aderiu à linha evangélica, e babau radionovelas. É verdade que, de tão inocente, Edelweiss – uma prova de amor, da colaboradora Luana Oswald, poderia ser reproduzida para as noviças do carmelo. Mas Caminhos Cruzados – as pessoas não são o que parecem ser, de Alê, e a debochada Vila Chan-Chan, de Márcia, mexiam com as almas ilibadas. "Tinha umas cenas picantes, né", reconhece Alessandra – mas só um pouquinho. Nada que merecesse castigo.

Hoje, a ex-carturária está em busca de ondas médias e curtas que lhes dêem abrigo. Até colou na parede do TUC um cartaz: "Adote a radionovela". Enquanto permanece sem pai nem mãe, dá-lhe reunir a turma, tilintar chaves nos copos e dar voz às inéditas Crimes – a maldade não tem motivos, um folhetim policial; e à mexicana Segredos do Oceano, estréia de Hayalla no roteiro.

Aguardem. Ao pé do rádio.

José Carlos Fernandes é jornalista.

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