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 | Foto: Ivonaldo Alexandre / Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Foto: Ivonaldo Alexandre / Ilustração: Felipe Lima

Nos idos de 1940, o imigrante alemão Fritz Vermelho – assim cha­­mado para que não o confundissem com o Fritz Preto, do Cemitério Luterano – pegou seu filho Lothar pela mão e o apresentou ao faustball. Ainda se pode ouvir "Faust de Liszt" ao fundo e ver a plateia, louríssima, a reverenciá-lo como um sobrevivente da Floresta Negra. Com perdão ao trocadilho – deve ter sido diabólico. Mas nada trágico, se­­gundo consta.

O "punhobol", tradução de faustball, um esporte tão germânico quanto o chucrute, virou uma brincadeira de uma vida inteira para Lothar Jaehnert. O piá, que ficava no gargarejo para substituir os pançudos nas partidas, se tornou uma lenda de 1,80 m, 86 quilos e à prova de radicais livres. Hoje está em vias de completar 80 anos – 70 dedicados ao faust. Não dá sinais de que vai parar de jogar.

A sala de troféus do Clube Duque de Caxias, no Bacacheri, está lá para confirmar: os armários guardam a prataria conquistada por Lothar e Cia., mantidas a custo de muito Kaol e brilho de flanela. É só uma parte. A outra – "umas 600 medalhas" – ele trouxe dia desses de casa, numa mochila.

O punhobol não é um esporte qualquer. Espécie de vôlei sem fricotes, é barato, não sexista e pode ser praticado em qualquer lugar, faça chuva ou faça sol – Curitiba, no caso. Assemelha-se em grau de tolerância aos brasileiríssimos peteca e frescobol. Bem merecia um título honorífico da ONU e se tornar obrigatório em zonas de conflito, como o Iraque, o Afeganistão e o Cajuru.

Vale destacar sua capacidade de sedução. Lothar garante: basta fazer a bola de 320 gramas quicar no antebraço. De fato. Em­­bora sem a popularidade da co­­cada preta ou da banda Calypso, o punhobol continua arrebanhando pimpolhos que tenham pelo menos uma gota de sangue germânico nas veias.

Até onde se sabe, todas as sociedades alemãs da cidade – como a Rio Branco e Con­­córdia – incentivam a peleja. No Duque, cerca de 60 juvenis o praticam, orientados pela campeã nacional Tatiane Schneider, 22, e claro, pelo incansável Lothar. Ele pode ser visto correndo de ponta a ponta no campo como se tivesse acabado de ganhar uma chuteira para jogar na Copa de 1954.

"Não dói em lugar nenhum", exibe-se, indagado sobre as bursites e tendinites que vêm e vêm. "Devo tudo ao faustball", aponta. Não se trata, contudo, de um anúncio da imortalidade. Muitos adeptos do punhobol jazem do lado de lá. "Mor-reu", brinca o veterano ao falar dos partners que se foram.

Lothar bem que tem se esforçado – para ficar. Como seu esporte sempre foi marginal, praticou-o feito um carbonário. Na adolescência, empunhava a bola depois do expediente nas Farmácias Minerva, onde vendeu Gumex para meia Curitiba. E por meio século, punhobolou após bater cartão na Construtora Thá-Scaramuzza. Ali permaneceu até a cabeça branquear.

Para se manter a pique, adotou uma dieta teuto-tupiniquim "quase" científica: anda a pé 16 quadras/dia, faz oito séries de 60 exercícios, toma cervejinha e se rende às tentações da carne de carneiro. Ah, inclua-se ter casado três vezes e estar namorando firme.

Tempos atrás, diga-se, Lothar cansou. Começou a mancar e se foi para os matos, pescar lambaris. Mas a turma estrilou. Que voltasse, nem que fosse com uma perna só. Topou. "Às vezes, não posso correr. Finjo um pouco e tudo bem." Para compensar, modernizou-se. Tem Orkut e uma coluna no site do clube. Ca­­reta, só a mania de pedir para ver o boletim da meninada. Cá entre nós, acho que ele faz de conta que vê tudo azul.

Em tempo. Lothar fecha 80 anos em 21 de maio. A Duque vai dar festa. Mas não contem a ninguém: o herói anda emotivo. Deu de ter saudade da pré-história do punhobol, quando, findada a partida, os Fritz todos cantavam em alemão, "... xuntinhos".

Dou um punho que vai ter choro no Bacacheri. De verdade.

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