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José Carlos Fernandes

As revistas eróticas de Faruk El-Kathib

 | Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo / Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo / Arte: Felipe Lima)

Nos idos da década de 1970, milhares de homens repetiam todos os meses um ritual. Iam às banquinhas de revista, encostavam o umbigo no balcão e pediam – quase ao ouvido do jornaleiro – o último exemplar da revista Peteca. Era o que se chamava de literatura adulta, modelo pocket e, o melhor, custava metade do preço de sua maior concorrente – a Playboy, uma gigante do ramo que chegava à façanha de vender 6 milhões de exemplares.

Muitos não sabiam, mas a Peteca não vinha de longe – era feita aqui mesmo, na pacata Rua Jordânia, Vila Centenário, endereço da Grafipar, editora a que a história ainda deve justiça. “Acredito que esse dia vai chegar”, brinca Faruk El-Kathib, 69 anos, o sujeito por trás daquela que foi uma das maiores aventuras editoriais dessas bandas. A Grafipar chegou a publicar 48 títulos e a desovar no mercado 1,5 milhão de exemplares mensais – a maior parte deles devidamente escondidos debaixo dos colchões ou atrás das gavetas do armário dos guris.

Faruk tinha 20 anos quando foi trabalhar na editora do pai – o muçulmano libanês Said. A publicadora precisava de reforço, em especial depois de colocar na praça uma História do Paraná, em quatro volumes, até hoje reinante em pencas de estantes. Mas o mundo do livro aborrecia o caçula dos El-Kathib.

Em plena ditadura militar, os desterrados dos jornais encontraram na Grafipar uma máscara de oxigênio

“Eu era inquieto”, conta, ao lembrar o dia de 1975 em que bateu na porta da Varig e ofereceu o projeto da Passarola, passatempo que viria a se tornar a primeira revista de bordo do Brasil, com nada menos do que 80 mil exemplares de circulação garantida. Em recompensa, Faruk ganhou a bênção para poder editar a erótico-educativa Peteca. Tinha o mesmo formato de bolso da Passarola, mas, em vez de jogos dos sete erros, fotos de nu feminino e informações sobre sexualidade. Impossível precisar quantos marmanjos imberbes abandonaram os “baralhos”, os Zéfiros amarelados, conversas com o pipoqueiro e mesmo os compêndios de Anatomia para se entregar àquela cartilha ilustrada.

A equipe de Faruk era enxuta – Nelson Faria respondia à parte editorial; o artista plástico Rogério Dias, à gráfica. Quanto à lista de colaboradores, uma constelação. Passa pelo quadrinista Claudio Seto, pelos poetas Alice Ruiz e Paulo Leminski (de quem Faruk editou Catatau), pelo ativista Celso Cury (autor da Coluna do Meio, do jornal Última Hora)... Em plena ditadura militar, com a imprensa na rédea curta, seguida de chicote, os desterrados dos jornais encontraram na Grafipar uma máscara de oxigênio. Para surpresa de Faruk, tempos depois, boa parte dos jornalistas que ganharam um pouso ali tirou a editora de seus currículos.

Muita gente fantasiava que a redação da Peteca tinha starlets do quilate de Bettie Page penduradas até nos lustres; ou que Faruk fosse um Hugh Hefner das araucárias, paparicado por deusas ruivas. “Decepcionavam-se”, avisa, boa praça. A maioria das fotos publicadas vinha de agências internacionais, de modo que nenhuma daquelas Suzis ou Wandas pôs seus pés descalços em CWB. A única produção local era a fotonovela Carol Blue, de José Augusto Iwersen, 40 mil exemplares por edição – um fenômeno.

Além do mais, havia a censura prévia. Só se permitia a imagem de um seio – e sem extremidades. Nádegas, apenas no singular. Graças ao beneplácito de um superintendente da Polícia Federal, simpático aos vanguardismos da Grafipar, Faruk não precisava ir todos os meses a Brasília mendigar carimbos de aprovação. Mas havia sanções – como a exigência de fotos borradas – toda vez que os editores davam uma de joão-sem-braço.

Há de se dizer que a Peteca – e os outros títulos da casa, como a Rose, criada para o público feminino – era sobretudo uma revista de informação. Temas como educação sexual nas escolas, vida a dois ou mesmo problemas hidráulicos dos guris brilhavam em colunas como “Sexyterapia”. Médicos e psicólogos – que não se identificavam – prestavam consultoria. “Recebíamos 1,5 mil cartas por semana”, lembra. Por ironia, em 1979, com o fim da censura, a pornografia tomou conta do mercado editorial, dando início à bancarrota da proposta de Faruk.

Sobreviveram apenas as publicações grandes e as safadas. A Peteca e suas colegas descansam em coleções particulares e sebos. Procurei-a na Biblioteca Pública do Paraná – nada. Fui informado de que revistas adultas masculinas não eram integradas ao acervo, o que criou uma lacuna para a história da editoração erótica. É fato. São poucos os livros sobre o assunto – a exemplo de Páginas de sensação, da historiadora Alessandra El Far. Bobagem? Que se morda a língua: o maior historiador vivo, Robert Darnton, se ocupou do tema no soberbo Edição e sedição.

Para a geração de hoje em dia é difícil entender, mas o erotismo foi sinônimo de resistência em meio aos espartilhos do regime militar. A Buzina do Chacrinha e as tolas pornochanchadas, custa-se a crer, eram respostas desajeitadas à repressão, inclusive a sexual, como bem percebeu Marilena Chauí, autora de um best-seller sobre o tema, em 1984. Eu li. Assim como os da Marta Suplicy, autora da frase lapidar “A revolução passa pela cama”. Foi um tapa de luva em direitistas e em revolucionários.

“Eu não pensava em nada disso quando estava fazendo. Só queria ajudar as pessoas a lidarem com os tabus da sexualidade. Agora entendo o barulho que fizemos”, comenta Faruk, hoje dono de uma editora de livros didáticos voltados para o trânsito, a Fama, em sociedade com Maurício de Sousa – ele mesmo, o pai da Mônica e do Cebolinha.

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