| Foto: Foto: Jonathan Campos – Arte: Felipe Lima

Há coisa de cinco anos, ao passar pela Rua Padre Agostinho, no Bigorrilho, vi o arqueólogo Oldemar Blasi flanando pela calçada. Pensei no óbvio ululante: a maioria dos mortais que saíssem às janelas naquele momento não saberia que aquele vovô era um dos maiores nomes da ciência brasileira no século 20. É que somos meio desligados, né. Mas não se culpem. Blasi – morto no último sábado, aos 93 anos – também o era.

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Fui apresentado a Oldemar Blasi pela crítica de arte Adalice Araújo – em outra era geológica, acho. Adalice – morta ano passado – tinha dessas. Quando falava de alguém que julgava importante para o estado, exibia todos os agudos de sua inteligência catalogadora. Esgotava-se, para que nunca esquecêssemos.

Depois veio o Valêncio Xavier – morto em 2008. O escritor e cineasta nutria adoração pelo Blasi, a quem considerava uma espécie de Emilio Salgari dos trópicos. Tinham viajado juntos pelos rincões do Paraná, atrás de pinturas rupestres. Ao mostrar as fotos que tirara ao lado do cientista, Valêncio se convertia de novo no "menino do Arouche", ainda que ambos já tivessem dor nas juntas na época em que se enfiaram pelos matos.

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Adalice me apresentou o "lado A" de Blasi. Valêncio, o "lado B". Ela era capaz de falar tintins das parcerias do pesquisador com a inteligência francesa. Ele se divertia ao fofocar sobre o fascínio do amigo pela Revolução Cubana. Qual guri que decora escalações de times, Blasi sabia "tudo" sobre Fidel Castro, Che Guevara, Camilo Cienfuegos e demais barbudos. Mais de uma vez falamos a respeito, sempre debaixo de seus olhos vesgos. Era, afinal, um estudioso. Que lhe perguntasse sobre o cânion do Guartelá. Mas, dado o pito, não demorava a arrastar as chinelas até seu escritório, de onde trazia pilhas de guardados sobre Cuba.

Tenho cá com meus botões que, embora formado na esquerda, interessava-lhe menos a penúria política da ilha caribenha e mais o romantismo da tomada do poder. Che em particular. O argentino era viajante e lutador como ele, mas belo e festejado, provocando-lhe um misto de admiração e catarse. Foi da boca do Blasi, inclusive, que saiu a história – a ele contada por um terceiro – de que Guevara não só esteve em Curitiba, anônimo, como tomou uns tragos na Toca da Onça, na Marechal Floriano. Valêncio sonhava filmar esse episódio, mas não deu tempo.

Quando um jornalista encontra uma fonte como o Oldemar Blasi, inventa moda para lhe dar uma telefonada, nem que seja para saber o que acha do preço do tomate. Além de boa-praça e saber muito, ele não tinha preguiça, jamais. Não dava frases para a gente colocar aspas. Dava-nos um pedaço do Paraná profundo que escondia em suas memórias.

Com sorte, falava também de si – de sua solteirice, por exemplo, sempre aos risos. "Não me casei porque sou muito feio", dizia, a propósito da queimadura que lhe desfigurou o rosto aos 8 anos de idade. Adulto, submeteu-se a uma plástica nos Estados Unidos, a tal da emenda pior que o soneto.

Também gostava de tagarelar sobre a década e meia que lutou para conseguir uma sede digna para o Museu Paranaense – o terceiro do gênero fundado no país, mas por anos fadado à indigência. Teve governador que se atiraria em um precipício para não cruzar com o "Blasi bom de briga". Seus únicos páreos no quesito eram dois colegas de panteão local: o também arqueólogo Igor Chmyz e o geólogo João José Bigarella.

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"Não vou ser lembrado pela ciência, mas pelo Museu Paranaense", disse-me, certa vez. Mostrava-se ressentido, algo raro. Muitas vezes tivera de descuidar do trabalho de campo para protestar, solitário, contra as goteiras que ameaçavam o acervo de 400 mil peças do museu que amou. Mas a lamúria não passou de um lapso. Logo se recompôs, servindo um cafezinho.

A última vez que nos falamos foi para uma reportagem sobre o indigenista tcheco Vladimir Kozák, a quem conhecera. Viajaram juntos pelo interior nas décadas de 50 e 60. O Kozák que desenhou parecia um Che das tribos Xetás. Depois, como de praxe, contou umas "quentinhas" sobre a comunidade científica e me conduziu à porta. Era, afinal, um sujeito comum, desses com hora para sair às calçadas, nas quais esticava as canelas a salvo, graças à nossa distração.

Serviço

A missa de sétimo dia ocorre hoje, às 18 horas, na Paróquia São Francisco de Paula.

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