Dia desses, um amigo me pediu uma entrevista fazia uma reportagem sobre o suposto hábito curitibano de não receber visitas. É o que dizem, suspeito, desde que a primeira leva de tropeiros passou por aqui e alguém entrou num quintal sem antes bater palmas.
"O curitibano tem razão", disse eu, na contramão da maledicência. Para dar mais ênfase, tirei da manga o depoimento que ouvi de um professor de inglês, cearense migrado para os pinheirais. O tal me disse que o que mais gostava na nossa gente era a cerimônia. Primeiro pede para visitar e, uma vez da porta para dentro, não se demora mais do que uma hora.
"Uma prova de civilidade", declarou, entusiasta, aproveitando a deixa para malfadar os seus, que chegavam assim sem mais na sexta à noite e se iam na segunda aproveitando a carona. Uma tormenta. Ao se mudar para o Paraná, o teacher continuou a receber, mas ainda lhe sobrava tempo para ler Shakespeare no original.
Confesso que custei a me dar conta de que nossos visitadores não visitam como lá. Adolescente, me mudei para o interior de São Paulo, onde a visitação é uma arte cultivada à sombra dos mangueirais. As pessoas se convidam pelas esquinas e não assentir é uma solene falta de educação.
Nem uma nem duas vezes algum conhecido me fazia "egípcia", como apelidam o gesto de "virar a cara". Motivo: eu disse que ia e, curitibanamente falando, não fui. Pois é. Numa dessas saias-justas, me lembrei dos nossos aniversários. Iniciam-se às 16 horas em ponto e sempre findam com o estranho fenômeno dos tupperwares em fúria: os que vieram levam para os que ficaram em casa nacos de bolo e canudinhos de maionese senão estraga.
Sei que isso é matéria para notáveis. Mas, se me permitem, ofereço meu quinhão. Em primeiro lugar, considere-se o clima, cujos humores um nativo dessas plagas é capaz de pressentir nos calcanhares. Já pensou se uma frente fria nos apanha lá no Abranches, quando somos do Portão? Podemos constipar antes de chegar à Rápida daí a pressa. Isso se chama climatologia aplicada.
Outra questão o apreço à família. Não se deve deixar pais e irmãos à deriva por tantas horas. No mais, quem me convida por tabela convida os meus, que não foram para não incomodar: daí a liberalidade dos pratinhos contrabandeados, um mimo para os que ficaram cuidando dos cachorros. Essa tática merecia ir para os manuais de etiqueta.
Outra hipótese é que, ao contrário do que parece, o curitibano figura entre os povos que mais se visitam. Não é sarro. Somos da categoria "alta frequência convivente controlada por tacômetro". Raro, por exemplo, quem não receba alguém para o café de sábado, debaixo de servidíssimos cuques de banana. Somando as semanas, esses excessos vespertinos de 60 minutos/dia chegam a 50 horas/ano. Uma eternidade.
Acrescente-se ao debate a quantidade de sociedades étnicas na capital, provas de nosso talento para organizar a convivência. Já me dei a pachorra de contar: da Duque de Caxias à Urca somam 44 clubes. Uma parte desses espaços anda em baixa, é verdade, mas, suspeito, deixaram uma herança nos nossos costumes: sair de casa é como ir à matinê. Não se vai de chinelinho nem com sovacos à mostra, mas com roupa de missa e cabelo armado. Dá uma trabalheira. Tem de programar.
Faça uma pesquisa de campo: num domingo, plante-se, sei lá, na Praça do Japão, e observe os que circulam aqui e ali para almoços em casa alheia. Chegam com quitutes envoltos em panos bordados. Uma delicadeza, a coisa mais bonita da cidade. Antes das 14 horas, vupt, voltam os convivas com as mesmas travessas, agora transbordando mimosas da Ribeira, quiçá pãezinhos da América.
É uma visita de médico com ares de ceia, admito. Mas raciocine: depois do rango bate um sono, melhor zarpar antes de babar. Além do mais vai que a gente perde a hora e pega uma friagem. O curitibano tem sempre razão. Convide, mas não insista que coisa mais feia.
Deixe sua opinião