Efigênia Ramos Rolim se orgulha de dizer que nasceu com dois parafusos a menos. Teria sido sua bênção. Pelos buraquinhos que deveriam ser ocupados pelo juízo entram fiapos de luz responsáveis por ter se tornado o que é uma senhorinha índia de tranças branquíssimas capaz de aos 80 anos dar pimponas cambalhotas pelo chão. Muitas gurias escoladas no Pilates não fariam o mesmo sem ficar descadeiradas e dependentes da bisnaga de Gelol.A versatilidade de Efigênia já seria o bastante para que nos curvássemos é a "Rainha de Papel", como cunhou o videomaker Estevão Silvera. E fim de papo. Mas o contorcionismo e a habilidade de converter invólucros de balas 7Belo em arte não passam de uma das proezas dessa lenda curitibana. Desde que foi descoberta, em 1991, fazendo coreografias de meninota na Feira do Poeta, não sabemos muito bem como defini-la.
Para uns seria uma artista popular eufemismo para artesã. Para outros, uma performer, expressão culta destinada a quem dança, canta, assobia e dá rodopios nos fiofós. Poucos a chamariam de show woman por lhe faltar, digamos, superávits no peitoral que o justifiquem. Os mais despachados, no entanto, não se demoram em classificá-la como uma "doida varrida", categoria na qual, saibam, se sente muitíssimo à vontade.
Para que não restem dúvidas de que falar de insanidade não a melindra, em absoluto, conta ter se casado, simbolicamente, em 2005, com Arthur Bispo do Rosário, criador que passou 50 anos em um manicômio carioca. Como é de ciência de todos, as peças feitas por Bispo para botar ordem no caos de sua esquizofrenia causam frisson no circuito de museus e galerias. E ninguém com gramas ínfimas de massa cinzenta na caixola diria que ele não é um artista.
O mesmo se aplica a sua esposa de mentirinha, a viúva Efigênia, mãe de nove filhos, moradora da paupérrima Vila Autódromo, nas beiras do Rio Atuba. E fã de Kazuo Ohno. Basta ir até o hall do Teatro Guaíra e conferir a exposição de vestidos, objetos e quetais que a octogenária produz com lixo. Mas suspeito de que essa conversa pode ir mais longe.
O século 20 selou a ideia de que para ser artista tem de ser um pouco maluco. Picasso ou Modigliani, Hemingway ou Fitzgerald não poderiam ser comportados funcionários de repartição. Nem passariam no psicotécnico do Detran. Não causa espanto que tanta gente tenha ido aos cinemas prestigiar Meia-noite em Paris. Está longe de ser o melhor filme de Woody Allen, mas explora uma fantasia que paira sob nossas cabeças: a de encontrar uma fresta do tempo e voltar à década de 1920, os "anos loucos", quando beber, amar e criar eram verbos servidos na mesma dose.
O crítico britânico Terry Eagleton afirma que a sociedade paga caro pela crença de que arte é coisa de predestinados birutas, acima da ética, alheios à política. Ao se diferenciarem dos normais, os artistas não são convidados para sentar à mesa de negociações do Banco Mundial, por exemplo. Uma pena, pois ao lidarem com o profundo das paixões humanas daí acharmos que são tantãs teriam muito a dizer sobre a falência do Lehman Brothers ou sobre os efeitos do 11 de Setembro.
Confesso que a tese de Eagleton não me desce redondo. Mas diante de Efigênia Ramos Rolim é como se tivesse encontrado um laço de fita para embalar ética, política e estética num mesmo Sonho de Valsa. A pequenina fala da vida reta sem ditar regra, da ordem do mundo sem soltar panfletos. Torço para que seja chamada à próxima Bienal de Veneza. Com sorte, alguém a convida para uma conferência de paz na ONU. Mal não faria aos caras dar umas cambalhotas. Tomara.
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