Quando eu cursava faculdade de Jornalismo, um professor defendeu a tese de que programas de auditório e afins são ruins em todas as partes do mundo, da descolada Inglaterra à obscura Venezuela. Para confirmar sua tese, mostrou imagens de infames concursos de calouros europeus e certames latino-americanos, em cujos palcos passeavam gente interessada em dividir as paradas de sucesso com Julio Iglesias.
Foi divertido. De quebra, a projeção uma raridade na era pré-internet lavou a alma dos estudantes. A popularidade de tantos larararás, chacrinhas e coristas desinibidas fazia com que nos sentíssemos sede mundial da cafonice. Não era para tanto. Que viessem os mouros.
Nunca mais pensei no assunto, até dia desses, ao me deparar com uma pérola da televisão espanhola, o programa La hora da verdad, ou coisa que valha. Me belisquei três vezes. É o seguinte: um sujeito se senta no meio de um anfiteatro lotado. A apresentadora uma loira cujos atributos levariam piratas ao mar faz uma pergunta íntima, bem íntima, de um naipe que nem as mais sórdidas revistas de fofocas nem o WikiLeaks podem atingir.
O candidato responde sim ou não, usando da mais barata das artilharias a cara de pau. Se o que disser coincidir com as respostas dadas anteriormente por pessoas muito próximas figuras como a mãe, a namorada ou o melhor amigo, reunidos pela produção ganha um punhado de euros. Vencida a primeira rodada, os maços de dinheiro engordam e as perguntas ganham, digamos, ainda mais profundidade.
Confesso que me senti uma velhota flagrando uma cena de sexo explícito na praça da matriz. A apresentadora questiona o candidato sobre número e gênero das transas, detalhando se os parceiros eram tias acima de qualquer suspeita ou autoridades constituídas. Não bastasse, escarafuncha detalhes anatômicos e posições prediletas, muitas inéditas no Kama Sutra, tudo com a naturalidade de quem comenta as últimas do Mercado Comum Europeu. A cada "sim", a audiência em transe aplaude, como se trair a namorada com o vendedor de jamón e admitir isso na frente da coitada, em rede nacional, levando plata por isso, fosse um feito tão glorioso quanto a descoberta da América. Pois é.
A exploração premiada da vida alheia não é um privilégio dos espanhóis. A liberal Holanda também se debruça sobre os segredos de alcova de seus altivos cidadãos. O nome do programa não sei dizer, mas a edição mostrava a rotina bocejante de um rapaz do ramo de laticínios. Nada demais. Mas o moçoilo é gay, decide contar à família e o faz com ajuda de um apresentador que parece saído da Semana de Moda de Paris. Em minutos, a pasmaceira da cancela vira um show. A gente não sabe se ri ou se enfia a cabeça embaixo da cama. No país da maconha liberada e das prostitutas do bairro Vermelho, que diabos é aquilo?
Meu professor talvez tivesse razão programas populares de tevê têm um pé no mau gosto em qualquer parte. Mas permanece a dúvida sobre o que leva populações ilustradas a perderem tempo para saber com quem dorme um efebo dos Países Baixos ou as práticas sexuais nada ortodoxas de um cara que parece saído de um filme de Pedro Almodóvar.
Não faço a menor ideia. Alguns diriam que o homo bisbilhoteirus impera em qualquer fronteira. As atrações rasteiraças das telinhas seriam uma prova disso, de modo que podemos considerá-la o melhor índice de igualdade entre os povos de que se tem notícia. Diante das câmeras, os pudores se vão e cada pecado tem seu preço. E ponto.
Sei não. À moda de Cândido, prefiro creditar alguma inocência a esse planeta cansado de guerra, onde holandeses, espanhóis e quaisquer trocam o recato do confessionário pelo espalhafato das câmeras. Penso que as inconfidências são uma resposta a outra imoralidade: a solidão e o anonimato, marcas dessa época que perdeu o sentido de aldeia. Posso contar o que quiser. Alguém até pode se lembrar, mas ninguém vai se importar. Ou quase ninguém.
Os programas europeus fizeram diferença para mim, um escriba anônimo da imensa América do Sul. Penso se aquilo é mesmo verdade. Só sossego quando me sento diante da tevê e assisto à largada do BBB 11. O que vejo não me espanta. Ufa de volta ao mundo real.