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José Carlos Fernandes

Liga das Senhoras Católicas 3.0

 | Foto: Marcelo Andrade – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Marcelo Andrade – Arte: Felipe Lima)

Os mais antigos – ou os mais atentos – passam um cineminha na cabeça logo que ouvem falar na Liga das Senhoras Católicas. Sabem do que se trata. Na Revolução de 1932 elas estavam lá – amparando órfãos e estropiados. No golpe militar de 1964, não se trancaram na sacristia. Arrumaram o coque banana, o tailleur de cetim e se juntaram aos que fizeram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. "Abaixo os comunistas", gritavam nossas vovós Cotinhas e tias Maricotas.

Não sossegavam mesmo em tempos de bonança. Era quando abriam restaurantes para operárias, ensinavam moçoilas a ser domésticas, promoviam desfiles com suas próprias joias e longos, para angariar fundos. Na alegria e na tristeza, algo faziam sempre igual – perdiam a classe, se preciso fosse, para defender "a moral e os bons costumes". Davam os camafeus para impedir que entrassem em cartaz filmes como E Deus criou a mulher, de Roger Vadim, com BB, e Hiroshima, meu amor, de Alain Resnais.

A propósito, ninguém foi tão alvejada pela Liga quanto Norma Bengell, ao fazer em Os cafajestes o primeiro nu frontal do cinema brasileiro. O anúncio de jornal que dizia "sem cortes" as colocava em guerra santa. Na Curitiba de 1962 só não deu quebra-quebra na Cinelândia porque o longa ficou míseras duas semanas em exibição, suspeito que por medo antecipado da fúria das senhoras. Mais?

Também nos anos 1960, pediram – e conseguiram – que o presidente Jânio Quadros fizesse censura aos desfiles de maiô em concurso de miss. Nada de modelos cavadões. Em nome da decência, vingou aquele horrendo saiotinho que deixava as pernas curtas e as ancas quadradas. De outra feita, pediram o fim das folhinhas de borracharia. Foi divertido. E as participantes da Liga das Senhoras Católicas também acham.

A associação sobreviveu para rir de si mesma, um santo remédio. Reinventou-se. Na capital, as senhoras são donas do Diagnóstico Avançado por Imagem, o Dapi, serviço de saúde cujos lucros sustentam nada menos do que seis creches, nas quais são amparadas 700 crianças. Com tanto trabalho, nenhuma das 20 filiadas tem pachorra para fazer piquete contra, digamos, Ninfomaníaca volumes 1 e 2.

"Cansamos de ficar passando o livro de ouro", brinca a presidente Vera Maria Lins Affonso da Costa (foto), 70 anos, referindo-se à tradição de coletar esmolas para a caridade, dando em troca uma assinatura de honra. Um tédio. Com tanta gente para amparar, precisavam de dinheiro. Pois as "madames", como se dizia, foram à luta e compraram equipamentos médicos de última geração. De iniciativa associada à domesticação da mulher e à direita histérica, passou a ser apontada como modelo de gestão do voluntariado, uma espécie de "caridade.com".

Não que as rubricas de outrora tenham se perdido – em absoluto. Desde sua fundação, a LSC funcionou como a Casa de Windsor: só teve quatro superioras, todas graúdas – Dalila Lacerda, Nice Braga, Maria Bittencourt e Vera. Maria B. – falecida em abril deste ano – esteve à frente da entidade por 44 anos, tempo em que operou todas as reviravoltas. Tinha promessa de morrer no cargo, o que quase conseguiu. Mas seu maior trunfo foi ter imprimido nova cara à confraria.

Vera é a própria versão 3.0. Em parte, ainda segue o figurino. Alta, magra, fina e articulada, tem berço. Nasceu de duas estirpes – descende do advogado Benjamin Lins e do presidente Faria. Sim, estudou no Divina Providência, no Nossa Senhora de Lourdes e no "Caça Marido". Debutou no Clube Curitibano. Casou na Santa Terezinha e não há um clã importante nos pinheirais com quem não tenha cruzado num banquete para 200 talheres.

Tinha todos os predicados para entrar na Liga – e mais um. Adora organizar quermesses de paróquia, montar enxovais para desvalidos, arrumar emprego para os encostados. É dada a rituais populares. Em jantares benemerentes, tornou célebre seu barreado servido numa mesa enfeitada com superlativas folhas de banana. Se fica sem fazer nada, inventa artesanatos no subsolo de sua mansão. Um dia descobriu que na Liga poderia fazer tudo isso e ainda ter mais uma leva de amigas-irmãs com quem trocar figurinhas.

Foi sua entrée nessa nova alta sociedade. Sente-se bem na companhia de sua mobília Luís XV e das relíquias herdadas dos antepassados. Mas se sente melhor ainda ao atravessar a cidade, de segunda a sexta, rumo à Vila Nossa Senhora da Luz, visitar creches. Quanto à altura das saias, que bobagem.

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