| Foto: Felipe Lima

Não precisa ser busólogo para dizer: os ônibus são o maior símbolo de uma cidade. Naqueles míseros metros quadrados estão gente de todas as idades, classes sociais e graus de instrução. Se não desse tanto soquinho, fosse mais barato e o motorista dissesse "bom dia", claro, ficava melhor

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"Seu motorista, fique mais um pouquinho, você é admirável e a turma é formidável..." Quem fez peregrinação de paróquia ou excursão para Matinhos certamente já cantou essa musiquinha inocente. É bonito de ver. Toda a turma decora o nome do condutor do ônibus e não tem quem se despeça sem lhe tascar um abraço e invocar as bênçãos de São Cristóvão. Nem piloto de avião, depois de vencer um voo turbulento, recebe tantos mimos. O mesmo se diga dos taxistas. Indiferença idem atinge os profissionais do transporte coletivo. Poucos os adulam, apesar de serem heróis às voltas com ruas infernais e horários de mosteiro trapista.

Um dos poucos elogios aos motoristas de ônibus do qual me lembro é o texto "Nova York é uma cidade de anônimos", do jornalista Gay Talese. O texto é de 1961, mas parece ter sido escrito ontem de tarde. O autor faz justiça a esses homens que são insultados por velhinhas, enganados por jovens, que dirigem com uma mão e dão o troco com a outra, desviam dos buracos, aguentam a campainha nas orelhas, dão informações a rodo e que só não são ignorados na hora de uma freada brusca: "Ô, motorista, pensa que tá levando gado, é?"

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Como consolo, restam as "passageira interessadas", que aproveitam a viagem para puxar conversa com seus cowboys do asfalto. Foram retratadas, aliás, em uma passagem do livro A Polaquinha, de Dalton Trevisan. Pura verdade. Eu tinha uma vizinha que de tanto tagarelar com os motoristas casou-se com um, o que foi uma pena: ela era referência do bairro em horário de ônibus, algo tão difícil quanto saber a hora da morte.

De maneira geral, suspeito, motoristas e cobradores são pouco amados pela população, constituindo um baita problema urbano – afinal, o que não é querido é depredado. Motivo: eles pagam o pato pelos maus bofes com o sistema de transporte. Quem pega ônibus, sabe que não é nenhum tapete mágico. A passagem é cara pra chuchu e, contrariando as tendências, dentro de uma lotação a gente está mais para estorvo do que para cliente.

Repare em quantos estabelecimentos ganhamos uma tabelinha para carimbar nossas milhagens de sanduíche. Mas se pode ir o equivalente daqui à Lua numa das viações da capital que não se ganha nem um bom-dia. Quem manda nessas roças parece esquecer que virou moleza comprar um carro em mais prestações do que as praticadas pelas Casas Bahia. E muitos o fizeram, abandonando de vez aquele que é o maior indicativo de que uma cidade é boa para viver – o busão.

Impossível esquecer o dia em que Londres foi oficializada como sede olímpica. Em vez de exibir novo riquismo, como os chineses, a delegação britânica entrou no estádio a bordo de um ônibus de dois andares. Disseram tudo. Na devida escala, Curitiba já esteve associada à qualidade do transporte coletivo. A imagem dos grevistas parando a cidade mexeu com esse retrato na parede. Essa cidade é uma selva.

A propósito, gostaria de mandar um recado aos motoristas e cobradores dessas plagas. Deve ser por causa de passageiros educados na amargura dos pinhões que tão poucos de vocês respondem quando cumprimentados. Traumatizaram. Pode ser também por culpa do fundamentalismo corporativo a que estão expostos, um tipo de fanatismo que comprovadamente coloca as metas no lugar das pessoas.

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Na minha linha a situação é menos grave: recebo resposta de 25% da tripulação, o que, na análise dos meus amigos, é um índice escandinavo. Um dos condutores, aliás, bem merecia que a gente lhe fizesse um coro, em plena Praça Tiradentes: "Seu motorista, fique mais um pouquinho..." Seu nome é Toninho. Ninguém passa na roleta sem receber dele as honras da casa. Em resposta, raros passageiros descem sem antes lhe dar tchau. Parece excursão. Andam dizendo que só a gentileza e a hospitalidade podem nos salvar – a depender do Toninho, o planeta está salvo no trecho que vai da Água Verde ao Juvevê. É um bom pedaço.

P.S. – Dedico esta coluna à dona Marta, cobradora da linha Itamaraty; à Marisa – que cobrava no Cabral e me falava dos livros que lê; e ao motorista gordinho, da linha acima citada. Ele cuida muito bem dos idosos que sobem próximo à Ouvidor Pardinho. Minhas desculpas, esqueci o seu nome.