| Foto: Foto: Albari Rosa / Arte: Felipe Lima
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Faz alguns dias, o carteiro bateu na casa de Milton Valentino Bosa, no Butiatuvinha, em Curitiba, com um Sedex na mão. Na correspondência, uma camiseta do Santos Futebol Clube, autografada. "Ao Milton, do amigo Pelé." Sentiu calafrios: o presente remetido pelo craque mundial ao craque regional servia como uma mensagem do além: a carreira de "Bosa, o artilheiro" estava encerrada em definitivo. Aos fatos.

Milton é empresário do ramo de vidros, mas, nas paralelas, jogava futebol. E muito. Competiu até os 66 anos, o que, salvo engano, faz dele um dos mais longevos atletas amadores do pedaço. Vamos deixar que o Livro dos Recordes lhe faça justiça, assim como aos demais números que acumulou em cinco décadas de pelejas em campinhos de pelada e estádios de times da Liga Suburbana.

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Da adolescência até janeiro deste ano, quando jogou as dolorosas últimas partidas, foram 1.284 gols, o mesmo tanto que Pelé. Está tudo anotado em diários. Num único ano, garante, marcou 310 golaços apenas numa quadra de futebol de salão. Pelo menos em duas ocasiões fez dez tentos em uma única partida – ambas em 2004, no comando de um dos três times que fundou, o San Valentino. Os outros são o dos irmãos Bosa e o da turma da vidraçaria. "Eu tenho raça", brinca o dono de 32 medalhas de goleador e de 12 pinos na coluna vertebral – os únicos que conseguiram catapultá-lo dos gramados.

Em maio passado, uma cirurgia pôs termo de vez à trajetória futebolística de Milton. Doeu como uma sentença. Uma intervenção anterior não teve o mesmo poder. Somava então pueris 50 anos e saiu da sala de operação com três pinos. Moleza. Em seis meses, desafiando a medicina e a fúria da esposa Regina, estava em campo outra vez. Para driblar a família, escondia as chuteiras no carro. Chegou a escapar de um almoço na praia, jogar em Curitiba e voltar em disparada para o Litoral. Só trocava uma partida, digamos, por outra – é capaz de abrir mares para ver o Santos. Devoção semelhante dedica à Sociedade Operária Beneficente Recreativa Iguaçu, cuja camisa é sua segunda pele.

Nosso herói é um italiano como tantos da região de Santa Felicidade. O sotaque, o lagar de vinho no quintal e a saúde taurina não negam. Guri, ia descalço às roças de milho e, nos intervalos, frequentava a escola. Nessa época, caiu de uma macieira – acidente que tempos depois passaria a conta a suas lombares. Aos 11 anos conseguiu o primeiro emprego, como garçom do Restaurante Colonial, com os parentes da mãe, os Tulio. Aos 16, viu-se promovido a vendedor numa loja de materiais de construção.

Ganhava 80 contos, o dobro do que o Coxa ofereceu depois de ver o galalau de 1,78 metro e porte de lutador de telecatch brilhar no campeonato juvenil, o "segundo quadro", jogando, claro, pelo Iguaçu. Ficou com quem lhe deu o maior passe, reservando as horas vagas para times como o Flamenguinho e o Pinheirinho. Jura que não se arrependeu e que é muito bom ser um ídolo de bairro. "Lá vai o artilheiro", apontam os vizinhos. É a glória.

Sem dizer que é mais fácil. Nas épocas em que jogava, fazia no máximo cinco flexões em cada perna e pronto, estava tinindo. Em caso de contusão, nada que uma boa compressa de Zig não resolvesse. Ou uma massagem com Calminex, à qual chama carinhosamente de "aquela pomada de cavalo". Na alimentação, uma boa pratada de macarrão enchia o tanque. "Como até pedra."

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Deu tudo tão certo até aqui que Bosa decidiu editar um DVD – Minha vida tem história, com quatro horas de duração. "Um ... E o vento levou", resume. Os netos reclamam para o nonno que o filme é muito comprido, cansa, mas ele insiste em passá-lo, acrescido de comentários que vão do drama à comédia num lance. Vale o show.

Conta com pesar os quatro anos que ficou sem jogar, de 1978 a 1982, como parte de uma promessa: um dos filhos tinha problemas de visão. Mudou de ideia debaixo da insistência de Gildo Maggi, o Mingue, presidente do Clube Três Marias. "Deus quis", avisa. Quanto à parte engraçada, tem a ver com o 7 a 1 levado da Alemanha. Quase entrou em colapso. "Me deu um treco. Mil vezes eu no lugar do Fred. Faria melhor." Concordo.

Alegres memórias de um craque

Milton Valentino Bosa jogou bola – na suburbana e em pequenos times que fundou – dos 16 anos 66 anos. Nesses quase 50 anos [parou de disputar de 1978 a 1982, para cumprir uma promessa] acumulou cifras olímpicas, com mais de 1,2 mil gols, uma média de 28 por ano e 1,7 por semana. Na sequência, retratos de seu álbum particular, com passagens pelo Flamenguinho e pelo time do coração, o Iguaçu.

Alegres memórias de um craque

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