| Foto: Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo / Arte: Felipe Lima

Lá pelo fim dos anos 1960, um caso de chantagem abalou o mercado editorial de Curitiba. Ao acertar com a Distribuidora Ghignone a circulação da prestigiada revista Intervalo, a cúpula da Editora Abril impôs uma condição: a Ghignone teria de deixar de distribuir um título local, que cabia no bolso, chamado TV Programas. Se desobedecesse, perderia sua cota sobre nada menos do que Tio Patinhas. A ordem equivalia a tirar o pão da padaria.

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A tirania da Abril rendeu uma grita dos diabos. Os donos das bancas de jornal sabiam que o que estava em jogo era a sua moedinha da sorte. Mas não queriam ficar sem a nanica TV Programas – uma coqueluche da freguesia. No mais, ninguém entendeu nada. A Intervalo era como o “primo rico”, personagem de Paulo Gracindo no popularíssimo programa de humor Balança mas não cai. Para que tanta exigência?

Havia motivos. Ainda que artesanal, a TV Programas tinha seu lugar nos anais da imprensa. A maior parte dos jornais locais à época – O Estado do Paraná, Tribuna do Paraná, Diário do Paraná, Gazeta do Povo – nem sequer sonhava ter uma tiragem que chegasse aos pés da “revistinha”, como se dizia, com afeto. Numa cidade de 500 mil habitantes, chegou a 23 mil assinantes – 130 mil leitores que pagavam carnê anual de 35 cruzeiros –, mais 8 mil vendidos em banca, a 1 cruzeiro. Uma proeza.

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Não era tudo. Além das concorridas edições semanais, a TV Programas era pródiga em marketing, antes mesmo de a palavra virar moda. Dava na telha e a direção anunciava distribuição gratuita de fotos do seriado Bat Masterson. A piazada urrava. O escritório/redação do Edifício Villanova, na Praça Osório, virava no Saci. A popularidade alçou tamanho voo que a girafa, animal símbolo da TV Programas, chegou a ganhar um dia – 22 de maio – celebrado com promoções, todas saídas da cabeça do jornalista e publicitário Luís Renato Ribas, o cara por trás dessa história.

Foi puro acaso. Em começos de 1961, meses depois de a televisão ser inaugurada no Paraná, Ribas reparou num colega de repartição, Rubens Withers Hoffmann, que recortava e colocava num papel a grade de programação, publicada por dois jornais diferentes. A do Canal 6 saía em um. A do 12, em outro. O sujeito com tesoura em punho estava certo. Era preciso ter certeza do que ia assistir, pois o seletor dos primeiros televisores, em bom português, não passava de uma bosta. Se ficasse trocando, quebrava. E um aparelho custava, como se dizia, “meio Fuque”.

O mercado de editoração em Curitiba cresceu no embalo da “TV Programas”

Foi o que bastou para que Ribas e Rubens decidissem editar um folhetinho que reunisse as grades da tevê, facilitando a sanha dos telespectadores. A redação foi montada na garagem da família Hoffmann, à Rua Francisco Rocha, 371. No início, as emissoras esnobavam a dupla, que devolvia o desaforo publicando a palavra “eventual” no lugar em que o público procurava a hora do telecatch. Até o Correio torrou a paciência. No número 33, informou que não podia distribuir mais um produto tão mixo. A não ser que virasse uma revista. Assim foi. O nome TV Programas, reconhece seu idealizador – hoje com 83 anos –, não é dos mais inspirados, mas nada que impedisse de crescer o pescoço da girafa, a mascote.

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A essa altura, o folhetinho que virou revista contava em seus quadros com um estudante de Direito chamado Célio Heitor Guimarães, um tipo que “fazia jornalzinho com lápis de cor quando era criança”. Não havia nome melhor na redondeza. Célio começou sua carreira de jornalista fazendo crítica cultural no jornal O Dia. Dali, passou para a ruidosa sucursal do jornal Última Hora – que funcionava no Edifício Asa. Assinava Epaminondas Castello Branco. Homem de rádio, logo se viu atropelado pelo impacto da televisão. Não tinha um aparelho, mas desfrutava do adquirido pelo futuro sogro, alistando-se entre os milhares de “televizinhos”, uma tribo que lotava varandas, beirais de janelas e o chão das salas, todos devotados ao direito sagrado de acompanhar as aventuras de enlatados americanos e folhetins lacrimejantes.

Ribas-Célio dançaram um tango perfeito. Do contrário, teriam trocado tiros. “O Renato nasceu virado para a Lua. Tem faísca adiantada. Sempre inventava loucuras, que davam certo. Tive de administrar os excessos dele, claro”, provoca. Foi parceria para o resto dos dias. A propósito, depois de uma década de ensaio, os dois acabam de publicar A pequena notável – a história da televisão do Paraná está aqui, biografia da TV Programas que terá lançamento no próximo dia 23 de dezembro, com a presença de Ary Fontoura, Sinval Martins e outros pioneiros da televisão no estado.

O livro é uma mesa cheia de doces. Dá contas do que significa a TV Programas – a revista fetiche. Dizem que o pintor Juarez Machado tem uma coleção completa. Muitos lhe fizeram justiça ao escrever sobre a TV por aqui – Jamur Júnior, Renato Mazânek, Sandro Dalpícolo e Maria Luiza Barracho. Mas há episódios que só os veteranos poderiam exibir. A começar pela relação com os leitores – que não poupavam papel, envelope e passadas de língua para saber das últimas da telinha.

“Senhores editores, mandei uma carta para a Renata Sorrah e ela até agora não me respondeu”. Ou: “Vocês podem informar quando acaba Assim na terra como no céu e que novela será colocada no lugar?” Tem essa – “gostaria que vocês publicassem dados do ‘pão’ Carlos Alberto”. Havia, inclusive, quem jurasse que Ribas e Célio ditavam que atração iria ao ar, reservando-lhes achincalhes: “Vocês programaram luta na hora do seriado Doutor Kildare. E cortaram um pedaço do episódio de Perdidos no espaço. Estão loucos?”

No início, o número de leitores da TV Programas superava, em muito, o dos 400 e tantos sortudos que podiam comprar um televisor Philco na Loja Tarobá. A explicação é só uma: a quantidade de gente que assistia à tevê na casa dos outros, de lambujem, podia ser de 20 pessoas por aparelho. Como não dava para bater na porta dos outros, assim, do nada, o remédio era consultar a revista antes e chegar na hora exata do seriado Papai sabe tudo.

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O fenômeno ultrapassa o pitoresco. Toca o comercial. E o intelectual. O Prosdócimo anunciou na contracapa por nada menos do que dez anos. Edições extras, como a da eleição da paranaense Ângela Vasconcelos como Miss Brasil, em 1964, vendiam mais que disco dos Beatles. Para atender às demandas, pode-se dizer que o mercado de editoração em Curitiba cresceu no embalo da TV Programas. As gráficas que a atendiam compraram novos maquinários. A logística de circulação no interior deslanchou.

Paralelo, a publicação colocou na berlinda uma novidade recebida com desconfiança. A tevê vampirizava o livro, o cinema, o teatro. Para muitos, lançaria o país na burrice. Pois não há debate que a revista não tenha publicado. Tratou do papel da novela na vida brasileira, passou sabão nos programas de auditório, encarou o culto a celebridades. Qualquer dúvida sobre sua relevância, basta passar a vista no time de colaboradores que amealhou: Jota Pedro, Paulo Marins, Rosirene Gemael, Jamil Snege, Aroldo Murá e o decano da fotografia José Kalkbrenner.

Como se sabe, em 1965 veio o videoteipe. Pouco a pouco, o público se mostrou mais interessado em Glória Meneses do que em Odelair Rodrigues. O telespectador passou a cultuar a Hebe Camargo e Ronaldo Golias. Bem que a redação resistiu, reivindicando seu lugar no circuito nacional. Ribas e Kalk foram a São Paulo entrevistar o ainda não entronado Roberto Carlos. Jota Pedro cobriu o casamento de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli. Mas o esforço não pagava a conta. Em 1971, Ribas se afastou. Em 1973 foi a vez de Célio. A TV Programas parou de circular em 1977, quando se limitava a dar informações sobre times de futebol e clubes étnicos. Somava 700 e poucas edições. Hoje descansa nos sebos, ao lado de velhos gibis do Tio Patinhas.