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José Carlos Fernandes

O amor e o frasco de jujubas

 | Arte: Benett
(Foto: Arte: Benett)

Falar de amor é uma lenha. Como diz o formalista russo Victor Shklovsky, trata-se de uma palavra "pálida à exaustão". Pense bem – o amor está na moda há quase dois séculos. Faz cócegas na boca dos poetas. É osso na voz dos compositores populares. Obsessão dos cineastas. Barro dos romancistas. Publicitários usam-no para vender margarina. Está na alma dos religiosos, que o elevam aos céus. É massa de manobra dos tiranos. Tormenta dos filósofos, que o dissecam até matá-lo. Pode ser banal – "meu amor, minha vida, minha...".

Lembro de entrevistas que fiz para esse jornal com duas escultoras assombradas pelo tema do amor – Elizabeth Titton e a já falecida Alice Yamamura. Em momentos diferentes, tinham decidido explorar "o mais nobre dos sentimentos", mas temiam cair no ridículo, qual Isaurinha Garcia cantando Mensagem, com uma carta na mão.

Que nada. As exposições Pra esperar o amor (1997) e Oi, coração (2001) fizeram um sucesso sem par. Incontáveis fotos foram tiradas junto ao gigantesco coração de cerâmica feito por Alice, e ao lado das monumentais rosas vermelhas de metal assinadas por Elizabeth – que ligou o botão do "danem-se" e foi vestida de longo à vernissage. Se a memória não me trai, à época ainda fazia bonito nas livrarias o delicioso livro Ame e dê vexame, do psicanalista Roberto Freire, trovador de um amor libertário. Recomendo.

Bem, estou enrolando para dizer que não cumpri nem metade do que me propus para 2013. Arredondando, minha nota será 5,0. Passo de raspão pelo ano velho, mas aviso que cumpri uma das promessas que fiz a mim mesmo – levei o tema do amor para a sala de aula, à revelia do ridículo e do vexame. Foi de pelar o olhar vesgo dos alunos ao serem apresentados a um "programa de aprendizagem" que incluía os estudos de felicidade, comunidade – "de acordo com Zygmunt Bauman" – e, para fechar o semestre, o amor. Hã?

Tive de me blindar com bons autores – Fragmentos de um discurso amoroso, de Barthes; O amor, de André Comte-Sponville; Amor, uma história, de Simon May; História do amor no Brasil, de Mary Del Priore; uma entrevista arrebatadora do setentão Alain Badiou, que relaciona amor conjugal e civilização. E Luc Ferry. Eis o ponto.

Rubem Alves diz que professor não é quem ensina, é quem, de repente, aprende. Foi assim logo às primeiras páginas do ensaio A revolução do amor, de Ferry, que li como um glutão diante de uma torta de chocolate com beijinhos. Serviu-me como um antídoto contra um mal que nos assola: a saudade. Cuidado – a nostalgia em excesso pode ser uma negação de que o amor se revigora com a força dos oceanos.

Tendemos a ficar como Úrsula, a protagonista de Cem anos de Solidão, de Gabriel García Márquez. A caminho da velhice, lembramos da nossa infância, em detalhes, luminosa. Muito velhos, recordamos aquilo que nem sequer vivemos, mas que nos foi contado. Amamos tudo o que se foi e desprezamos o que nos é dado no presente.

Pois Ferry é a solução para nossos problemas: ele nos resgata desse movimento em honra da marcha à ré, ao qual chama de bougisme – uma espécie de culto doentio ao passado, saudosismo vintage e outras ciladas. Cá entre nós, dá um alívio lê-lo. Cada frase afirma que o amor ganhou uma versão século 21. Vem com menos espartilhos, menos cheiro de perfume de maçã da Helena Rubinstein, mas que é amor, é.

Uma das grandes sacadas de Luc é lembrar que não daríamos mais a vida por amor à pátria ou em nome de uma ideologia – política ou religiosa. Mas que daríamos a vida pelo outro. Ao lembrar isso, nos oferece um consolo afetivo. Há amor em Gotham City, sim, senhores – e, segundo Ferry, está expresso no que ele chama de "espiritualidade laica", um daqueles conceitos que nos fazem babar na fronha, de tão gostoso.

A "espiritualidade laica" está debaixo de nossas barbas. Não é amor de peito arfante, um segredo de meninas, nem heroísmo de campo de batalha. Expressa-se, pianinho, na bicicleta pintada numa camiseta, na tolerância às diferenças de qualquer sorte, nos cuidados com a cidade. Os que amam fazem pequenas revoluções criativas. Nesse momento, alguém está pondo a mão no multicolorido frasco de jujubas em que se transformou nosso mundo. Busca saídas – em várias línguas e sabores. É da natureza amorosa. E faz misérias.

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