As costelas-de-adão pertencem à família das aráceas e são bastante usadas por paisagistas para ornamentar jardins. Exuberantes e barrocas, essas plantas se ajustam ao paladar tropical. Seu nome científico é Monstera deliciosa, em alusão ao fruto que produz, apreciadíssimo pela Princesa Isabel, segundo fontes apócrifas. Na Ilha da Madeira, em Portugal, onde as costelas dão mais que bananeira no penhasco, o fruto da Monstera atende pelo sugestivo nome de "maravilha".
Para Maria Madalena Machado Mendes, 50 anos, moradora da Rua Balthazar Carrasco dos Reis, no Prado Velho, os dois pés de costelas-de-adão que crescem no quintal não lhe apetecem pelas curvas, frutos ou tampouco pelo efeito "cantinho verde da Casa Cor". As Monsteras ali não são parte de um jardim, mas as vigas que mantêm em pé o local onde mora com a família. Sem a ajuda delas, a casa cai.
Explico. A moradia de Madalena deve ter no mínimo a idade da Vila das Torres, de quem é vizinha ou seja, 58 anos. Todo esse tempo aos sabores do sol e da umidade própria das barras do Rio Belém não lhe fizeram bem. A madeira está carunchada como um saloom do Velho Oeste. O telhado dança no ritmo da chuva. As tábuas do assoalho se movem feito desenhos da Disney.
Tudo indica que as paredes só não vieram abaixo porque as costelas-de-adão cravaram, feito garras afiadas, suas raízes nas ripas velhas, desafiando as leis da física. Para Madalena, a planta é um sinal, quem sabe. Vive em busca de um: ela é personagem de um clássico tupiniquim teve infância miserável nos campos de Guarapuava, pai tirano, foi privada da escola e gastou a juventude fazendo faxina para fora.
Hoje é catadora de papel, engrossa a nau dos miseráveis e tem uma grande família, quase toda em roda de seu carrinho. São seis filhos: das três gurias mais novas cuida com prendas e mimos; dos guris, um é doente, um já saiu de casa; o mais velho, Júnior Sidney, mora na meia-água dos fundos com a mulher e três crianças. Somam 11 pessoas sob o mesmo teto. Acrescente-se à população 6 cachorros, 2 gatos, 2 galos, 1 pato, 1 cavalo. Não dei conta das galinhas, pois sujeitas às panelas resistem ao recenseamento. Mesmo com o grau de ocupação nos níveis de Bangladesh e às avarias dignas de se benzer três vezes, a cidadela da Madalena figura na categoria "um brinco".
Há tapetes limpos aplainando o piso desdentado, imagens sacras pelos quatro cômodos, porcelanas lascadas na decoração e eletrodomésticos pré-históricos por tudo que é canto, dando ao local um ar de filial subsaariana da Cantina do Délio. Tudo que ali está foi retirado do lixo durante as expedições diárias da matriarca e de Júnior pelos rincões da Água Verde área de trabalho desses Griselda e Quinzé da vida real.
De resto, se viram com os R$ 160 do Bolsa Família e da caridade de estranhos. Meu palpite é que a turma da vizinhança não consegue ignorar o cenário bonito que a turminha da Madalena lhes reserva todos os dias. Filho da Madá não pede dinheiro na esquina e é tudo criado à moda antiga... eles pulam corda e se abraçam tendo ao fundo as milagrosas costelas-de-adão, qual um conto de fadas. Joãozinho e o pé de feijão?
Salta os olhos o asseio. A matriarca se acaba no tanque e não deixa as gurias saírem da porta para fora sem passar um pente nos cabelos e se porem de roupa limpa. "A mãe é divertida", resume Adriele, 14, sobre a mulher que tem por princípio não reclamar, nem que doa. Acha graça desviar das goteiras e dos tremores do chão da cozinha. Faz troça da despensa vazia.
Se chora, chora baixinho, atrás do poleiro. Se a veem macambúzia, solta piada. Pois na hora do aperto, jura, tudo se ajeita. Foi assim com a costela-de-adão trepando para segurar a caixa dágua. Amanhã à noite, me contou, no ribombar dos fogos de 2012 há de repetir o que sempre repete: que Deus um dia há de olhar para ela. Aproveito a carona para pedir caule forte e folhas gordas às costelas, tadinhas que não se cansem de tanto peso, amém.
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