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José Carlos Fernandes

O bailarino bate um bolão

 | Foto: André Rodrigues – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: André Rodrigues – Arte: Felipe Lima)

Leandro e Leonildo, os dois filhos da cabeleireira Cristina Correia, bem podiam formar uma dupla sertaneja – o que muito alegraria a mãe, uma morena cor de cuia, de inacreditáveis 38 anos e olhar desconfiado. Mas não. Leandro, o mais velho, tenta a carreira de jogador de futebol no distante e calorento Amapá. Leonildo, o mais novo, estuda para bailarino na filial do Balé Bolshoi, em Joinville, Santa Catarina.

Cristina não esconde – já que os guris não deram para a cantoria, que fossem então craques de futebol, livrando-a quem sabe da tirania das tinturas de cabelo, fonte de seus espirros e comichões. Deu certo com Leandro. Errado com Leonildo. Ela cansou de empurrá-lo para os campinhos de pelada do Jardim Pompeia, no Tatuquara, onde a família viveu até pouco tempo. Nada.

Léo, como é chamado, descobriu o balé num projeto social da periferia. Foi um aperitivo, mas o bastante para que soubesse que preferia rodopios no ar a gols de bicicleta. Chorou como um bebê da roda dos enjeitados – queria porque queria continuar os ensaios. Cristina amoleceu, mas só até a hora em que uma vendedora colocou as malhas de dança sobre o balcão.

Não – filho dela não usaria uma roupa daquelas. E, no mais, tinha uma vizinha lhe atazanando as ideias, que aquilo não era coisa pra menino. "Vai jogar bola, Léo", mandou mais uma vez. Assunto encerrado. Anos depois, a própria mãe pediu ao caçula que a acompanhasse a um curso de danças de salão. A glória: seu pimpolho se revelou um senhor partner, arrasando nos boleros e nas salsas, disputado a tapa pela mulherada.

O resto da história parece o filme Billy Elliot, de Stephen Daldry, sobre o garoto da zona carvoeira inglesa que se revela uma sumidade das sapatilhas, apesar da fumaça preta e do bafo de cerveja em que fora criado. Léo gostava de dançar sertanejo com as amigas e de ensaiar a quadrilha do Colégio Estadual João Turin, onde cursou o ensino médio. Que se desse por satisfeito. Mas havia a tal da força estranha.

Escondido da mãe, matriculou-se numa escola de balé contemporâneo e fez aulas na trupe do bailarino Jair Moraes. No melhor do estilo "distraídos venceremos", acompanhou uma amiga que fazia seleção para o Bolshoi. Como estava lá, decidiu tentar também. Foi a pororoca. Passou pela fase 1 e 2, enroscou-se na 3, mas mesmo assim bateu uns 300 candidatos a uma bolsa. A vaga era sua. Só lhe faltava enfrentar Cristina. Quem a convenceu – eis a graça – foi o marido, o mecânico Jurandir Gruber, padrasto de Léo. "Ele tem talento", decretou o homem calvo de 48 anos, em cuja oficina, junto com os fregueses, balé só se for o da embreagem frouxa.

Os conhecidos gostam de comparar Léo ao carioca Thiago Soares, hoje no Royal Ballet de Londres. São ambos jovens pobres, saídos de ambientes pouco dados à cultura erudita, mas qual em um conto de fadas carregam um mix de mistério e dom extraordinário. Sem esses ingredientes, a vida é um osso duro. Precisamos acreditar que o que é belo, bom e desejável – ou seja, o estético, o ético e erótico – há de se sobrepor ao noticiário de balas atingindo grávidas.

Claro – a gente romanceia um bocado. Léo não pode vacilar. Tem 17 anos, 1,76 metro, 63 quilos. Começou tarde e sabe que, se não dobrar os pés o bastante, bau-bau. Para Cristina e Jurandir, manter o filho em Joinville tem custado os apliques na cabeça. Para colaborar, até há pouco o aprendiz de Nijinski fazia três turnos – dois no Bolshoi e um na portaria de um hotel.

O estudante teme pelo futuro, mas sem dramas, pois é dado àquela alegria displicente, própria dos que encontraram seu lugar. Conta que se acabou de rir no descartável De pernas para o ar 2, o que não lhe impede de falar com propriedade de Cisne Negro, de Aronofski. É fã de Chico Buarque, que intercala com Anna Carolina e Maria Gadú. De férias, sem espaço para exercícios, faz alongamentos botando as panturrilhas para fora das janelas do minúsculo apartamento da família, na Água Verde. Usa a Rua Francisco Negrão, se preciso for. Não deu Garrincha – deu Fred Astaire.

Bravo! Esse piá bate o maior bolão.

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