Aldo Wilson Ristow, 51 anos, o Barba, é um curitibano da gema do ovo. Nasceu no Novo Mundo, descende de alemães, estudou no então Grupo Escolar Doutor Pedrosa ali na República e bateu cartão numa marcenaria tanto tempo que chegou a fazer bodas de prata. O lugar mais longe por onde andou foi a Barreirinha. Para ser igual ao Nicolau ou a Gino, só faltava uma casinha em Matinhos e uma graça de Maria Bueno. Mas o que se há de fazer.
Primeiro veio o desemprego, depois um forrobodó danado no casamento e por fim, há dois anos, um desatino que o transformou num morador de rua. "Puseram abaixo meu quartinho no Sítio Cercado", confidencia Aldo, enquanto cofia o cavanhaque que não vê tesoura nem gilete há pelo menos duas décadas.
A fala é mansa e a conversa das boas. Acompanhe.
Na noite do desmanche a primeira das muitas que passaria no sereno o tranqüilex Aldo ficou, com razão, uma pilha de nervos. Para não fazer bobagem, "botou os pés pelas mãos." Exatamente. Pedalou feito um condenado a bordo do único bem que lhe sobrou: uma reluzente Monark Crescente 10, ano 1951. Foi um santo remédio.
De sua bicicletada solitária madrugada adentro, tirou uma lição: o que lhe fizeram foi um favor. Não precisava mesmo nem de geladeira, nem de cama, nem nada. Sem emprego, sem família e sem casa estava finalmente livre. E passar bem. "Quer saber, para mim, lugar de morar sempre foi lugar de confusão. Pois agora não é mais."
Hoje, quando cai a tarde, Barba pedala até a Vila Izabel, onde pára de favor numa padaria. Ali, dorme o sono dos justos. Manhã cedinho, bota-fora. Estaciona a bike no muro do Clube Poltava - Rua Pará quase esquina com a Goiás, bem onde a Água Verde faz curva com o Portão. É dali que parte para a coleta de latinhas, seu ofício. O quilo está a R$ 3,20. Com sorte tira R$ 100 numa semana e sorte no relento, ich!, só de vez em quando. Liberdade não é bolinho.
Mas escute essa. Aldo era um operário de chão-de-fábrica como tantos. Já Barba, seu alter ego, é um sem-teto como poucos. Ele e sua Monark, juntos, carregam mais metal do que o B9, o robô do doutor Smith. Dá gosto ver. Numa mirada rápida, além dos incontáveis brincos, anéis, colares e braceletes, chamam atenção os dois galos de prata presos aos canos. São as asas da "possante".
Barba e a Monark, aliás, fariam bonito numa fashion week desfilando para o Jum Nakao, claro. Só o cabra para ornar o look agressivo em preto e prata com um aristocrático coletinho listrado de lã. O pé-de-tatu preso à calça arremata o visual "os metaleiros também amam."
A performance heavy metal, aliás, fez do pobre uma celebridade água-verdeana. Raro quem passe na rua sem lhe sapecar um "oi". Arrisca ser tão popular naquelas bandas quanto o bispo ucraniano dom Efraim Krevey até pouco tempo inquilino do muro adotado pelo catador. Almoço grátis não falta com direito a uns vareneke e perohê, iguarias da redondeza.*
Barba, como não, fica encabulado com tanto rapapé. Mas como não é coió, dá corda. Fala até de AC/DC, Ramones e Nazareth. Não à toa, tem mulher ornitóloga que fica doida para enquadrá-lo na categoria ave exótica, pronta para engaiolar. Com perdão aos que mofam no almoxarifado da vida, o assédio é tamanho que chega a cansar a beleza do Barba bem ele, com tanta latinha pra catar.
Mas quando avisa que vive de vento já viu as pretendentes batem asas rumo à elegante Rua Maranhão na quadra de baixo. "Mulher gosta de casa, né", consola-se o pinta, que de passarinho não tem nada. Está mais é para um centauro o centauro do jardim.
José Carlos Fernandes é jornalista.
A jornalista Larrisa "Van" Jedyn, consultora de assuntos ucranianos da Redação, avisa que vareneke e perohe são pastéis recheados, tipo pierogui, mas por favor, não confundir.