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José Carlos Fernandes

O craque Bellini lá perto de casa

 | Foto: Jonathan Campos – Arte: Felipe Lima
(Foto: Foto: Jonathan Campos – Arte: Felipe Lima)

Minha mãe estava com um olho na frigideira e outro no telejornal quando saiu com essa: "... o senhor que estão mostrando na tevê vinha aqui no bar... Morreu?" O bar era o ganha-pão do meu pai na Água Verde. Vendia de tudo – de revista Cruzeiro a retrós de linha. O "senhor" era o capitão da seleção brasileira de 1958, Hideraldo Luís Bellini, o sujeito que levantou a taça Jules Rimet na Suécia, dando início a um gesto universal. Não foi pouco.

Bellini – morto em 20 de março último, aos 83 anos – jogou no Atlético Paranaense de 1968 e 1969, fato sabido, tratado pelos boleiros qual uma página da Bíblia. Quanto a mim, restou entender que se esse deus do Olimpo comeu um pão com presunto no "Bar do Português", também passou por outras esquinas de Curitiba, à moda Julia Roberts em Notting Hill. Encasquetei.

Dia seguinte, encontrei o Moacir Lacerda, genro do artilheiro Neno Lançoni, ex-jogador do Coxa e do Atlético, morto em 1971 e nosso vizinho. "Você quer saber se Bellini se dava com o Neno? Não sei, mas que veio pro enterro do meu sogro, isso veio". Mais uma pista – o zagueiro também chorou nosso ídolo municipal. Grande.

Fui atrás do professor Osni Wendt, rubro-negro da categoria "pronto para o martírio". Contou umas tantas. No último jogo de Bellini pelo Atlético, Bellini teria doado a camisa e as chuteiras para populares, de modo que um anônimo guarda essas relíquias, tomara que a salvo de alguma diarista distraída ou de uma esposa ressentida. A exemplo das demais fontes consultadas, Osni repete que o jogador fazia o tipo "boa-praça", "bom-moço" – um lorde na pele de galã. É lendário ter rejeitado um convite para ser astro de Hollywood, para nossa sorte.

"Quando ele cortava o cabelo, no salão do Pernambuco, o barbeiro guardava as sobras para dar às gurias", conta Wendt. Detalhe – ainda não havia Marias Chuteiras na escala Gremlins, o que sugere que o mulherio agia de boa-fé. Só queria um cacho. A identidade fetichista das tímidas curitibanas jamais será revelado. Já a homarada, não faz segredo. "Um pão", "irresistível", "um galalau", costumam qualificá-lo mesmo os mais machos dos matutos, confirmando que beleza não tem sexo, pelo menos não a do Bellini, padrão Renascimento Italiano.

O tal salão se chamava Marabá e ficava na Avenida Iguaçu, na frente do Colégio Sagrado. Apesar de apelidado de Pernambuco, o barbeiro Antônio Queiroz vinha do Maranhão, assim como seu irmão João Queiroz (foto), com quem dividia as navalhas. João mudou o estabelecimento para o Centro Cívico, mas conserva a cadeira platinada onde Bellini sentou para fazer uma "meia cabeleira curta".

Recebi pistas falsas, é verdade. Me garantiram que Bellini se tornou frequentador da Sociedade Ypiranga, na Silveira Neto, amigo que se fez dos maiorais do clube. "Quem dera", devolve o sócio Acir Gabardo, o "Pintado". Ele se resume a confirmar a excelente impressão deixada pelo jogador em seu breve exílio nos pinheirais. Outros fazem o mesmo, nunca sem antes destacar o sarro que foram aqueles idos.

No tempo em que Bellini andava por nossas calçadas (e também o lateral Djalma Santos, outro mito então a serviço do Furacão), a Baixada mais parecia um campo de refugiados. As arquibancadas de madeira "balança mas não cai" seriam rejeitadas até numa quermesse. "O túnel inundava", lembra o jornalista Hélio Teixeira, que faria carreira na Placar. "O lugar se chamava Sapolândia", reforça o médico Nizan Pereira, sobre o território sujeito aos humores do Rio Água Verde, que resistia a entrar pelo cano.

Mas que nada – o craque não tinha luxos, exceto circular por nossos paralelepípedos a bordo de seu "JK" da Alpha Romeo. Morava num prédio de esquina da Dr. Faivre com a Amintas de Barros, ao alcance de todos. O jornalista Dias Lopes bem lembra. "Sou do Ceará. Para nós, os astros do esporte tinham sotaque carioca. E o Bellini falava ‘porrrta’. Estranhei, pô."

De acordo com a viúva Giselda, Bellini gostava do Passeio Público e de sair para jantar no Madalosso. Frequentava os Tosin, os Fruet e os irmãos Trevisan. Eles mesmos, mas Dalton, o Vampiro, "viam só de longe", explica a mulher que é só loas à cidade. Pensou até em ficar quando o marido encerrou a carreira, mas....

A última partida foi um Atletiba, no Joaquim Américo, em 20 de julho de 1969, mesmo dia em que o homem pisou na Lua. Bellini tinha 39 anos, um "coroa" para os padrões da época. O jornalista Francisco Camargo guardou a cena na memória: "Na medida em que avançava no campo, o time parecia formar um arco em torno dele. Foi bonito".

Depois o herói se recolheu ao silêncio – eis a regra.

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