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 | Ilustração: Felipe Lima
| Foto: Ilustração: Felipe Lima

Anos atrás, ao ler uma re­­portagem sobre as atividades mais bem remuneradas do Brasil, soube que um gerente de recursos hu­­manos pode chegar a ter passe, como um craque de futebol. Foi quando me certifiquei do que já suspeitava: o chamado "mundo corporativo" tinha expandido seus domínios para além da folha de pagamento, passando a ditar os hábitos e as mentalidades, o vestir e o pensar. O discurso que rege a sociedade não vinha mais das grandes ideologias, como o existencialismo e a psicanálise, o cristianismo e o marxismo, mas do Departamento de RH.

Fiquei triste, confesso, e assim permaneço. É uma limitação. Não vejo lugar para a diferença, para o estilo e para as grandes paixões por trás dos tailleurs e terninhos maneiros dos novos ideólogos. Bocejo à simples menção da palavra "organograma". Acho avaliações uma tortura.

O desencanto diante da nova ordem me levou a tomar uma decisão: abrir uma banca de jornais, repetindo os passos de meu pai. Terminaria parecido a ele, exceto no bigode. E aquele abraço pra quem fica. Mas eis que em meio à espera pelo Dia D – o tal em que somos convidados a procurar novas oportunidades no mercado – desenvolvi um vício secreto. Passei a acompanhar matérias da imprensa sobre as grandes corporações, de modo a entender como pensam os que nos dão a conta. Tem sido um exercício de indignação, mas também de humildade.

Meus gurus nessa empreitada são o consultor Max Gehringer e o jornalista Heródoto Barbeiro. Vou ao pé do rádio para ouvi-los. Do cínico Gehringer tenho recolhido lições práticas, como a de antes de tudo olhar o banheiro de uma empresa. Se nem o problema do papel higiênico foi resolvido, fuja. O WC é o melhor dispositivo para medir qualidade.

Do ilustrado Barbeiro aprendi que tem muita gente preparada entre os papas da gestão, como mostra nas reportagens que faz para a CBN. E também ignorantes convictos, que se entregam logo às primeiras falas. Lembro de ouvir um bam-bam-bam arrotando Espinosa para defender suas teses. Me senti a própria besta quadrada. Ora, existe meia dúzia de especialistas nesse filósofo em todo o mundo, incluindo a brasileira Marilena Chauí. A regra é citá-lo já se desculpando pela cara-de-pau. Mas que nada – uma das coisas mais chatas dos novos mandachuvas é que eles podem tudo, inclusive falar de Espinosa.

De todas as falas, a que mais me marcou foi a da consultora que analisou o caso Van Gogh. Com pose, disse que o pintor holandês é cultuado por sua loucura, mas o que lhe faltava mesmo era "marketing pessoal". Dominasse essa técnica, não teria passado pela vida na pindaíba. Imaginei-o usando uma orelha de silicone e trajando Armani. Vertigem. Van Gogh jamais seria aprovado num teste de seleção.

O cinema, vale lembrar, também tem feito muito para desnudar o mundo corporativo. Acon­selho três filmes. O primeiro é a comédia macabra O corte, de Costa-Gravas, sobre um executivo que sai matando, literalmente, todos os caras aptos a ocupar o cargo do qual foi dispensado. O segundo é o delicioso Em boa companhia, no qual o veterano Dennis Quaid oferece a mão ao garoto cheirando a leite que o substitui numa agência.

Por fim, não perca Amor sem escalas, em cartaz. É de todos o mais cruel. Ainda estou lá, preso à poltrona, vendo, impotente, os figurantes que representam trabalhadores mal avaliados sendo postos na rua pelo personagem de George Clooney. É um filme de gente grande. Não assopra, não adula. Mostra em que fria nos metemos. Nem o mago vivido por Clooney se safa: vê tudo de cima, voando entre uma cidade e outra onde tem de demitir. Dá-se bem – acumula milhagens e amores fortuitos. Mas um dia o expediente acaba para ele também. Fico pensando no que Espinosa diria sobre isso. Me desculpem, mas acho que nada.

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