Tem o marido que sai toda terça à noite para o futebolzinho. É hábito tão sagrado que costuma constar em alguns contratos pré-nupciais. Tem o que liga às 6 da tarde, avisando que vai esticar num happy hour com a turma da firma rapidinho. Tem o que saiu para comprar cigarros um clássico da malandragem. E eis que surge agora o tipo que sai de casa para rezar o "Terço dos Homens" com a turma da paróquia. Sim, esse cara existe.
O "Terço dos Homens" não é carolice de terceiro grau, como pode parecer. É um programa de direito, com a vantagem de que reúne ingredientes de todos, ou quase todos, os demais folguedos amados pelos guris. Depois de driblar as contas do rosário, os participantes aproveitam para falar dos mistérios do futebol, servindo-se de uma abençoada carninha assada. Para coroar a festa, "mulher não entra". "É um momento só nosso", dizem os adeptos. "Exceção? Só para Nossa Senhora", avisa o corretor de seguros Anselmo Antonio Domingues, 59 anos, líder de um dos terços estritamente masculinos mais animados da cidade o da Paróquia São Francisco de Assis, no Xaxim.
O encontro começou faz três anos, devagar, de modo a não assustar a "homarada". Ali não tem estatuto. Filiação. Assembleia. Ocorre em data escolhida a dedo a última sexta-feira do mês, o que é justo, afinal as outras três sextas já foram devotadas a visitar a sogra e demais parentes da patroa. Começa às 20 horas. Demora 40 minutos, menos que o primeiro tempo de uma pelada. Com os extras o papo depois da reza e o jantar no salão da igreja , se prolonga até meia-noite, "no máximo". Elas não reclamam: melhor marido rezando que se acabando nas biritas.
Na noite inaugural foram 40 participantes. Bom. O pico chegou a 100. Excelente. A média, muito boa, a 70, incluindo os imberbes, que costumam bisbilhotar ritos de iniciação à vida adulta o que inclui a oração do terço, como agora se sabe. Não se fez pesquisa de satisfação, mas a contar pelo sorriso Kolynos do padre Dirley Veloso Moreira, 46 anos, que implantou o projeto no Xaxim, estamos diante de um case pastoral.
São muitos os saldos: homem só costuma rezar quando sente uma dorzinha. Mas, na turma do terço, ora como um serafim. Em casa, passa longe da pia, mas ali exibe seus dotes culinários para a galera. Já teve quirerinha e vaca atolada no cardápio. Como religião é cultura, os cruzados do "Terço dos Homens" aprendem a Ave-Maria em latim e cantam Salve Regina. Em gregoriano. "Tem um durão que chora, sabia?", emenda Anselmo.
A Cúria ainda não tem dados oficiais sobre o fenômeno, cuja extensão se pode medir em banners na frente dos templos. Sabe-se apenas que há opções para todos os gostos dos rígidos terços semanais, nos moldes de confrarias como a dos Marianos ou da Legião de Maria, aos sazonais e esportivos. Não se trata de uma pastoral definida e é melhor que seja assim: os grupos de estudos de gênero podem armar um salseiro na porta da casa do arcebispo, reclamando a mudança do nome para "Terço dos Homens e das Mulheres" e assim por diante, a depender do gosto dos fregueses.
O nome soa algo medieval, é verdade. A presidente Dilma, por exemplo, não seria bem-vinda numa rodada dessas. Mas há de se dizer que nenhum avanço sociocultural foi o bastante para aniquilar a alegria indescritível dos meninos em passar algumas horinhas entre iguais.
O psicanalista Flávio Gikovate bem que tentou explicar o enigma em Homem: o sexo frágil? Sai-se bem. Mas nesse quesito a melhor tese ainda é a do senso comum. A maioria dos homens ama a companhia dos amigos porque nessas ocasiões pode contar piada infame, tirar sarro da careca alheia, e até exercitar a flatulência sem culpa. Não há mulher na face da Terra que entenda os efeitos dessas práticas tão pueris para a saúde mental dos machos.
Pelo visto, estar juntos, sem elas, por algumas horas, também ajuda na saúde espiritual. Se comprovado, o "Terço dos Homens" merece figurar entre as estratégias teológicas do século. Em caso de proibido, há de ganhar as catacumbas. Teremos nossos mártires. Uma guerra santa. Não se metam.
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