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José Carlos Fernandes

Os guerreiros da Vila São Jorge

A geógrafa Fabiana Bianchini, 38 anos, é do tipo que não faz tudo sempre igual. Pode até se levantar às seis horas da manh㠖 como diz a canção do Chico –, mas o resto do dia faz dublê da cigarra e da formiga juntas. De braço dado com sua "confraria dos inconformados", professores da escola pública como ela, tem fôlego para levar alunos a um museu, bolar um concurso de grafite e ainda garimpar patrocínio para um estudante bamba em luta greco-romana. Day by Day.

Dia desses, caiu na mão da mestra uma cartilha política, dessas que ensina o abecê sobre vereadores, prefeitos, corrupção e o "escambau", temas que de tão surrados tendem a provocar três bocejos breves de uma espreguiçada longa. Mas não na pequenina Fabiana. No lugar de sepultar o livreto na gaveta, passou a mão no telefone, "cantou" 20 exemplares junto à CNBB e bolou um plano: carregou o lote para o programa de Educação de Jovens e Adultos, a EJA, do Colégio Estadual Marechal Cândido Rondon, na Vila São Jorge – área encravada entre a Fazendinha e o Portão, em Curitiba.

Diante dessa pequena história, impossível não lembrar do grande Paulo Freire, para quem um mísero tijolo bastava para explicar o mundo. Que se esfalfem os que se ocupam em botar o educador para escanteio, mas não há imagem que mais nos orgulhe do que a do velho Freire em roda dos alunos, dando asas à pedagogia do oprimido. Eis que com Fabiana e os seus tudo aconteceu como dantes.

O milagre se deu numa das salas do cinqüentenário Rondon. A turma da Fabi – um pequeno exército de homens e mulheres que abandonaram a escola, alguns para mais de dez anos – fez um exercício que mudaria suas vidas: comparou os princípios da cartilha com lembranças pouco honrosas da política tupi. Alguns episódios são de deixar mais encabulado que criança pobre em casa de madrinha rica.

É o caso dos trans-roça, ligando a zona rural à zona eleitoral feito um tapete mágico. Os alunos lembram. E dos salvadores da pátria, praticando sem pudores seu dom de iludir. Os alunos sabem. O dragão de São Jorge pôs fogo pelas ventas. Depois de tanta conversa, teve quem mandasse para os quintos o nome e o número do candidato em que votava feito compadre. E quem decidisse fazer as pazes com a urna – resgatando o título que jazia na caixa dos guardados.

Ao petit comité só faltou mesmo o manifesto lido em praça pública e a passeata na João Bettega, ali perto. Foi tão bom, que a eleição já passou, mas os efeitos colaterais do estudo da cartilha permanecem. Esta semana, a classe formada por pedreiros, mecânicos, diaristas e domésticas estava de olho em mais uma eleição – as americanas.

Marisa Cosmo, 31 anos, uma década longe da escola, é McCain até debaixo d’água, pois esse sim disse o que faria pela América Latina. "E ele tem uma queda pelo Brasil", defende. O operário de automotiva José Marcos Peres, 35, 18 de exílio da sala de aula, esconjura: compraria até um carro dos democratas.

Avesso à política, o baiano tomou prumo depois das aulas. Não se avexa. "Não morro de amores pelo assunto, mas é importante, né". Andou até assistindo a uns documentários na tevê e está afiado que só sobre o presidente negro dos gringos. "Sou Obama", proclama ao decalcar um mapa do Brasil em papel carbono – como nos velhos tempos do grupo escolar. Esse vai ter saudade da professorinha.

Cá entre nós, noves fora, o mundo ficou melhor esta semana. Tanto nas bandas da América quanto nas cercanias do Cândido Rondon. Foi de lá, na saideira, que ouvi alguém falando em alto e bom som. "Eu também aprendi muito com a cartilha, ouviu". Era Maria Alves de Moraes, 50 anos, mandando recados de dentro da sala de aula. Sua voz fez um baita eco no corredor. Cai a tarde. Valei-nos São Jorge.

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